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Revista Controle & Instrumentação – Edição nº 288 – 2024



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INDÚSTRIA FARMACÊUTICA INVESTE PESADO
 
 
 
 
A indústria farmacêutica nacional vem aproveitando oportunidades abertas pelo crescimento do mercado brasileiro nos últimos anos, mas isso não tem sido suficiente para o desenvolvimento da indústria farmoquímica - de insumos da cadeia produtiva – segmento que sentiu a ascensão dos países asiáticos como grandes ofertantes impondo desafios à competitividade.

Mesmo nesse contexto, o mercado brasileiro de medicamentos movimentou cerca de R$ 178 bilhões em 2023 (US$ 35,6 bilhões), segundo dados da consultoria internacional IQVIA, que também apontam que as compras do Governo, clínicas e hospitais garantiram 34% do faturamento do mercado de medicamentos, que teve crescimento de 13% em reais, em relação ao ano anterior, representando aproximadamente 2,7% do mercado mundial. Na América Latina, o Brasil é o principal mercado, com 411 empresas farmacêuticas, produtoras de medicamentos prescritos e isentos de prescrição, sendo 116 (28%) empresas internacionais e 295 (72%) de capital nacional. Nesse mercado regional total, as empresas de capital nacional responderam por 51% do faturamento.

Os dados indicam que o mercado farmacêutico brasileiro deve crescer a uma taxa anual composta (CAGR) de cerca de 7,5% até 2028 - crescimento mais rápido do que a média global; isso significa que o mercado pode alcançar R$ 125 bilhões até o final de 2028 e até 2026 as empresas associadas ao Grupo FarmaBrasil (GFB) devem investir R$ 16 bilhões no setor, sendo que cerca de R$ 7,5 bilhões são destinados ao desenvolvimento de medicamentos e R$ 8,5 bilhões para compra de equipamentos e construção de fábricas.

O setor está agitado e com tempo contado: o Brasil tem como meta produzir internamente 70% das necessidades nacionais em medicamentos, vacinas, equipamentos e dispositivos médicos até 2033; atualmente, o país consegue suprir 42% do que precisa, tendo de importar o restante destes insumos.

Com certeza as políticas governamentais são o principal impulsionador desse crescimento e, como em outros setores, a tecnologia tem seu papel como propulsora de crescimento, com investimentos girando os R$ 5 bilhões nos últimos anos para melhoria da eficiência sustentável. A Nova Indústria Brasil, política industrial do Governo Federal, prevê investimentos no Complexo Econômico-Industrial da Saúde (CEIS) que irão fortalecer o Sistema Único de Saúde (SUS). Somente neste ano, a indústria farmacêutica nacional recebeu vultosos créditos do BNDES - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. Boa parte dos financiamentos ao setor que integram os esforços do Nova Indústria Brasil foi aprovada no âmbito do programa BNDES Mais Inovação, que oferece custo em taxa referencial (TR) para projetos de pesquisa e desenvolvimento (P&D) e inovação, conforme aprovado pelo Congresso Nacional (Lei nº 14.592, de 30 de maio de 2023). Esses investimentos devem ser compatíveis com a nova política industrial e suas missões, abarcadas pela Resolução nº 1, de 6 de julho de 2023, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI) e com a Matriz de Desafios Produtivos e Tecnológicos do SUS.

Mas é bom esclarecer que esses números não se referem a investimentos do governo no setor farmacêutico, mas às aprovações de crédito do BNDES para a indústria farmacêutica. Dito isso, o valor atualizado de operações de crédito aprovadas pelo BNDES em 2024 (até julho) para a indústria farmacêutica brasileira alcançou R$ 2,1 bilhões; em 2023, o valor aprovado foi de R$ 1,5 bilhão.

De maneira geral, a análise técnica do BNDES se debruça sobre o plano de investimentos e a estratégia do cliente. É realizada por uma equipe multidisciplinar, observando as garantias, a viabilidade econômica e financeira, a capacidade de pagamento e idoneidade do postulante. Uma vez analisado, aprovado e contratado, o projeto também é acompanhado por equipe técnica do BNDES, responsável por verificar sua execução física e financeira, bem como o cumprimento das obrigações celebradas em contrato. As ementas da finalidade de cada contrato celebrado pelo BNDES é pública.

Apesar de o BNDES conhecer os planos de investimento de seus clientes, o detalhamento dos projetos é parte relevante da estratégia competitiva de cada um deles. É possível identificar uma separação, nas linhas de crédito, entre projetos voltados para a produção e planos de investimento em inovação, tendo em vista que as condições de crédito são diferentes a depender da finalidade. E para que máquinas e equipamentos sejam itens elegíveis para serem financiados pelo BNDES, é necessário que seus fabricantes estejam credenciados no Cadastro de Fornecedores Informatizado (CFI) do BNDES. A atribuição desse código define o item como “fabricado localmente”. Portanto, quando uma empresa farmacêutica solicita financiaControle & Instrumentação Nº 288 | 2024 13 COVER PAGE mento para a compra de máquinas e equipamentos, ela deve comprovar que esses itens possuam código FINAME ou que são itens importados sem similar nacional. Então, todos as máquinas e os equipamentos credenciados pelo BNDES (CFI) podem ser financiados pelos diversos instrumentos financeiros do Banco, incluindo os operados de forma indireta, ou seja, pela rede de agentes financeiros parceiros. São exemplos de instrumentos financeiros: BNDES Fornecedores SUS, BNDES Mais Inovação e BNDES Exim Pré-embarque. Por exemplo, o BNDES Fornecedores SUS é uma solução de crédito associado a uma meta de fornecimento de dispositivos para saúde produzidos no Brasil ao Sistema Único de Saúde (SUS). Todos os produtores de máquinas e equipamentos para saúde cadastrados no CFI são elegíveis para participar do programa. A atuação do BNDES na área da Saúde reflete as prioridades definidas pelas políticas públicas e industriais, como a já citada Nova Industria Brasil.

Para acompanhar as oportunidades e conduzir o setor de maneira mais coesa, doze empresas brasileiras de capital nacional - Aché, Althaia, Apsen, Biolab, Biomm, Bionovis, Blanver, EMS, Eurofarma, Hebron, Hypera Farma e Libbs – fundaram, em 2011, o Grupo FarmaBrasil (GFB) que responde por 38% de todo o volume de medicamentos do mercado de varejo no Brasil, empregam mais de 40 mil colaboradores e investem, em média, 6,1% do faturamento anual em pesquisa e desenvolvimento (P&D), superando a média da indústria farmacêutica e farmoquímica brasileira, situada na faixa de 2,6%.

O que cada projeto vai comprar é sigiloso, mas o Grupo destaca que o grau de automação para a produção de fármacos varia de acordo com a empresa farmacêutica e, principalmente, do processo produtivo adotado por cada fábrica, mas as indústrias instaladas no país vêm investindo cada vez mais capital em seus processos produtivos para aumentar o nível de automação, segurança e qualidade de seus processos de produção. As farmacêuticas que compõem o GFB seguem o disposto nas regulamentações da Anvisa - Agência Nacional de Vigilância Sanitária e consideram os requisitos previstos em outras Agências Reguladoras com alto rigor técnico, como a agência reguladora americana, Food And Drugs Administration (FDA), e a Agência Europeia de Medicamentos (EMA): até para garantir todas essas diretrizes, é imprescindível investir na automação dos diversos processos de produção (como pesagem e mistura de ingredientes, encapsulação, embalagem e rotulagem) e controle de qualidade – destacando que algumas dessas regulamentações podem mesmo limitar a automação total de alguns processos.
 
O Grupo FarmaBrasil se reuniu com a ministra Luciana Santos (MCTIC) para apresentar dados sobre o setor farmacêutico nacional e os investimentos das empresas associadas no país
 
Segundo o Grupo FarmaBrasil, as indústrias brasileiras de capital nacional têm-se tornado cada vez mais atualizadas neste âmbito por meio de seus investimentos, além de serem compromissadas com a evolução tecnológica associada à segurança, tendo-se como exemplo, a adoção do Sistema MES (Manufacturing Execution Systems) e a utilização de AGVs (Automated Guided Vehicles).
 
 
O grau de automação dos laboratórios também varia de acordo com as especificidades inerentes de cada um. Mas, de uma forma geral, o cenário no âmbito dos laboratórios de pesquisa no Brasil, mostra que as farmacêuticas têm adotado tecnologias de automação, principalmente, para os processos de análise e experimentação (espectrômetros, cromatógrafos e sistemas de análise de imagem) que, por sua vez, são capazes de acelerar e padronizar as análises laboratoriais. Inclua-se aí o uso de softwares que permitem não só o controle, mas também a integração entre os equipamentos, a coleta de dados e a análise de forma mais eficiente; no âmbito da nanotecnologia, têm-se obtido contundente avanço no âmbito da produção de produtos biológicos e, cada vez mais, as empresas vêm inovando em pesquisas e na instalação de linhas fabris que permitam não só uma manipulação precisa, mas também controlada desses materiais, associando eficiência e segurança aos seus produtos; quando se fala em qualidade, que possui papel essencial na garantia da segurança e eficácia dos medicamentos produzidos no país, são utilizadas técnicas como cromatografia líquida de alta eficiência (HPLC), espectrometria de massa e ensaios de dissolução automatizados, que permitem às indústrias realizarem testes de qualidade em matérias-primas, produtos acabados e amostras de controle de forma automatizada, precisa e segura.

O setor, contudo, produz mais que remédios há um bom tempo. Assim como no setor de produção de fármacos e as atividades desenvolvidas pelos laboratórios, o âmbito dos alimentos e cosméticos demandam avanços tecnológicos que permitam cada vez mais a otimização dos processos fabris seguindo as regulamentações vigentes e a garantia da qualidade dos produtos, deste modo, associando eficiência e segurança. E claro, a terceirização - também conhecida como outsourcing -, é comum nesses nichos: a transferência de algumas operações (como fabricação e embalagem) para terceiros especializados é uma prática comum no setor farmacêutico e, deste modo, com o intuito de assegurar que a produção mantenha altos padrões de qualidade e conformidade com as regulamentações vigentes, são adotadas diferentes tecnologias e práticas, assim, garantindo a segurança e a eficácia dos itens produzidos. Entre essas tecnologias e práticas, destacam-se os Sistemas de Gestão de Qualidade (QMS), a ISO 9001: Padrão internacional que especifica requisitos para um sistema de gestão da qualidade, e as GMP (Good Manufacturing Practices), normas que garantem que os produtos sejam produzidos e controlados de acordo com padrões de qualidade apropriados. O setor e suas terceirizadas usam – ou estão implantando - tecnologias de rastreamento e monitoramento; Blockchain - para criar um registro imutável e transparente das transações e movimentações de produtos, melhorando a rastreabilidade e a transparência na cadeia de suprimentos; RFID (Radio Frequency Identification) e IoT (Internet of Things).
 
 
As empresas do GFB mantêm atualização tecnológica constante para a otimização de seus processos, incluindo o uso de IA (Inteligência Artificial) para acelerar os processos de pesquisa e desenvolvimento e otimizar a eficiência, segurança e personalização dos tratamentos, além de permitir otimização na análise de dados, seja pelo método de mineração (onde a IA é utilizada para a análise de grandes volumes de dados que servirão de subsídio nos processos de pesquisa e desenvolvimento) ou pela Análise de Dados em Tempo Real (onde a IA analisa dados provenientes de ensaios clínicos e operações de fabricação em tempo real).

Até 2026, dos R$ 16 bilhões que serão investidos pelas empresas nacionais associadas ao Grupo FarmaBrasil, R$ 7,5 bilhões serão destinados à pesquisa e desenvolvimento, enquanto R$ 8,5 bilhões serão investidos em benfeitorias, instalações, equipamentos, máquinas, expansão e construção de novas fábricas.
 
 
O estudo “Perspectiva global para o setor de Saúde 2024”, da Deloitte, desvenda como o futuro global dos cuidados com a saúde pode ser moldado por algumas tendências que impulsionam a inovação, a sustentabilidade, a integração da assistência social, a gestão de custos e a adaptação da força de trabalho. E claro, a IA generativa está entre as fortes tendências desse mercado e, além de impulsionar a transformação digital e diminuir erros no P&D, impacta em frameworks confiáveis e éticos. A própria Deloitte destaca que, nesta fase inicial de adoção, uma abordagem confiável e ética para a IA pode ajudar a tornar os cuidados mais acessíveis e equitativos. Outras tendências fortes para a indústria farmacêutica são o uso intensivo de ciências de dados, aumento das fusões e aquisições, os ‘consumidores’ tomando o controle de sua saúde – mas empregadores tendo papel maior na saúde dos funcionários – e equidade na saúde – talvez o mais difícil de alcançar.
 
 
O impacto da IA no setor é notável e não sem motivo: o processo de pesquisa e desenvolvimento de novos fármacos – que vai desde a identificação do fármaco até os estudos clínicos - pede investimentos vultosos e de longo prazo, tendo-se em mente que existe apenas 13% de probabilidade de sucesso e aprovação em cada projeto. A aplicação da IA então pode tornar esse processo mais eficiente e menos oneroso. Mas não apenas a IA: High Throughput Screening (HTS), uma triagem de alta produtividade de moléculas que já se utiliza de sistemas robóticos para analisar milhares de compostos mais rapidamente; o Quantitative Structure – Activity Relationships (QSAR) constrói modelos virtuais para prever a afinidade de ligação entre as moléculas com base nas propriedades das mesmas, e seu potencial tóxico; e alguns algoritmos de IA aplicados em Machine Learning (aprendizagem de máquina) permitem predições relevantes trabalhando em conjunto com outras técnicas como Floresta Aleatória (RF), Rede Neural Artificial (RNA), Regressão Logística (LR), Classificação Bayesiana Ingênua (NBC), K-Vizinhos Mais Próximos (KNN), Mínimos Quadrados Parciais (PLS) e o deep learning que possibilita aos sistemas aprenderem automaticamente a partir de dados de entrada.
 
 
Destaque-se que a automação do setor não deve estar apenas no P&D e na produção, mas também na manutenção da conformidade e regulamentos: muitos departamentos de assuntos regulatórios (RA) em empresas farmacêuticas ainda lidam de maneira manual com o reunir documentos e verificar se são compatíveis com os padrões regulatórios. Essa é uma área desse setor muito importante e deve ser mantida atualizada. Implementar novas tecnologias na indústria farmacêutica pede um planejamento ainda mais rigoroso para a integração com sistemas legados.
 
As tecnologias disruptivas tornam possível acelerar a convergência dos saberes envolvidos na área da saúde e os recentes financiamentos do BNDES ao setor afastam um cenário onde a inovação permaneceria no ‚mundo desenvolvido’ levando a um enfraquecimento da saúde pública no país. A movimentação no setor farmacêutico está alinhada à idéia do Governo Federal de neoindustrialização - que deve ser inovadora, verde, sustentável, exportadora e competitiva, como afirmou o vice-presidente e também ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), Geraldo Alkmin, para quem o país deve ser mais autossuficiente, deixando de importar grande parte de seus produtos, gerando mais empregos, estimulando a inovação e produção local.

É uma política de longo prazo, com impacto até 2033. Não é tempo de espera, mas de muito trabalho - para todos
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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