<

Revista Controle & Instrumentação – Edição nº 270 – 2021



¤ Cover Page
Tecnologia: para ser supermercado do mundo, Brasil depende também da digitalização da indústria de alimentos
 

 
 
 
A agropecuária responde por praticamente 30% do PIB brasileiro. Mas a agroindústria tem tentáculos mais longos, envolvendo diversos outros segmentos da economia, desembocando, em muitos casos, na indústria de alimentos, afinal, não há alimento sem agro, e esse vínculo tende a crescer, com os alimentos plant based.

Para se ter uma ideia do porte da indústria brasileira de alimentos, a fonte é a Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (ABIA) que, em meados de fevereiro, apresentou o balanço relativo ao ano de 2021.

Com crescimento nas vendas e na produção física (3,2% e 1,3%, respectivamente, o setor é reconhecido exportador, tendo, no ano passado, obtido 26,5% do faturamento no mercado Externo, volume 18,6% superior ao do ano anterior, atingindo o patamar recorde de US$ 45,2 bilhões, impulsionado pela retomada da economia mundial, combinada com a taxa de câmbio favorável. Esses valores tornam o País o segundo maior exportador de alimentos industrializados do mundo, levando alimentos e bebidas brasileiros a mais de 180 países.

O mercado interno, por outro lado, respondeu por 73,5% do faturamento, aumento de 1,8% sobre 2020, puxado, basicamente, pelo setor de food service, que respondeu por 26,3% das vendas da indústria, em 2021 (24,4%, em 2020).

Juntos, mercados interno e externo foram responsáveis pelo faturamento de R? 922,6 bilhões, 16,9% acima do apurado em 2020. O volume representou mais de 10% do PIB do ano passado. Para este ano, a expectativa é de crescimento na mesma proporção.
Em que pese o setor empregar 1,72 milhão de pessoas, a tecnologia contribui de modo especial com esses resultados, inclusive para poder ampliar a produção, e favorecer exigências mercadológicas, no que diz respeito à segurança alimentar, por exemplo. A automação e a digitalização da indústria de alimentos também é um dos caminhos capazes de contribuir para que “o Brasil se torne o supermercado do mundo”, nas palavras de João Dornellas, presidente da Associação.
 
A perspectiva de o setor atender, nas próximas décadas, o aumento da demanda mundial, elevando em 70% a produção de alimentos e bebidas, ampliando a segurança do alimento, favorecendo a rastreabilidade, e gerando menos desperdício, são características que a transformação digital das plantas industriais de alimentos e bebidas soma aos benefícios usuais para as empresas de qualquer atividade: manutenção remota de uma máquina, rastreamento das etapas de produção, desde a origem da matéria-prima, até o envio do produto para o varejo, identificando e melhorando cada uma delas, aumento da capacidade de produção, garantia da qualidade do produto, e otimização dos custos com energia, proporcionando a expansão dos horizontes comerciais, e reduzindo os impactos ambientais.
É a rastreabilidade de dados que permite a identificação de desvios ao longo da produção – impurezas ou erros nas embalagens, possibilitando, em casos extremos, a realização de um recall de produtos – assim como o acompanhamento completo e em tempo real do fluxo da cadeia produtiva, desde o fornecedor de matéria-prima, até a prateleira dos estabelecimentos comerciais.

Essas funções são viabilizadas pela combinação entre inteligência artificial (IA) e internet das coisas (IoT), contribuindo para a tomada de decisões, quanto à liberação ou rejeição de lotes inteiros de um produto, por exemplo, assim como, ao considerar os dados de consumo, é possível fazer o planejamento de produção, processar pedidos de compra de matéria-prima, programar armazenamento e logística. Como consequência, está a redução do desperdício, afinal, quanto mais acesso a dados, mais assertividade, eficiência e inteligência incorporadas aos processos.

Analisando o setor como um todo, o nível de automação está relativamente associado ao porte das indústrias. Com exceções, a transformação digital é pouco expressiva em pequenas empresas, mas, para se manterem competitivas no mercado e, principalmente, crescerem sua atuação, terão de praticar investimentos nesse campo.
Silvio Irizawa, diretor Industrial da Minerva Foods, ressalta que a digitalização e a inclusão de novas tecnologia nos processos é uma etapa que, em um cenário cada vez mais globalizado, “tornou-se natural na indústria. É uma questão de aumento de produtividade, eficiência e, consequentemente, mais qualidade. Uma vez que você automatiza padrões, diminuem ainda as chances de qualquer tipo de erro”.
 

Os cuidados na digitalização das linhas de produção da indústria de alimentos e bebidas são lembrados por Fábio Misawa, diretor de operações da Ajinomoto do Brasil, e começam pelo estabelecimento d e uma boa base de gestão de produção e do entendimento “do que é valor para seu cliente. Caso contrário, você só amplificará os problemas atuais. Em outras palavras, se a manutenção dos equipamentos não é bem-feita, o programa de capacitação não foi bem implementado, assim como a gestão de indicadores e metas, não é possível enxergar o que é preciso melhorar, para entregar valor para o cliente, e, neste caso, qualquer investimento seria um tiro no escuro”.
 
 
 Investimentos realizados e em realização

Naturalmente, o processo foi - e é - gradativo e contínuo, mesmo para empresas como a Nestlé, que, de acordo com Gustavo Moura, líder de Transformação Digital para Operações da Nestlé Brasil: “Os investimentos em automação estão sendo feitos desde a década de 1990, e o time de Engenharia nunca parou de investir em automação. Antes mesmo do buzz gerado em torno da Indústria 4.0, nós já tínhamos como procedimento de trabalho buscar as melhores tecnologias para otimização dos nossos processos. O que mudou nos últimos anos é que temos novas tecnologias e conceitos, disponíveis em uma velocidade muito maior que no passado, e isto se traduziu em novas opções de instrumentos, novos protocolos de comunicação, algumas soluções migrando do on premise para Cloud, disponibilidade de computação de borda, etc.”
 
Na Ajinomoto do Brasil, os investimentos em automação industrial começaram em 2018, e internamente foi batizado de “DX” (Transformação Digital). O objetivo – informa o diretor de operações da Ajinomoto do Brasil – foi o de aumentar a produtividade e competitividade da empresa, criando maior valor corporativo, por processos de negócios altamente digitalizados e tecnologia baseada em dados.

“De 2019 para 2020, o investimento em transformação digital aumentou seis vezes. Como os equipamentos estão conectados, por exemplo, conseguimos acompanhar o processo on-line, e avaliar, por meio de inteligência artificial, a melhor condição de processo para ter a melhor performance. Outro exemplo é a utilização de empilhadeiras autônomas e armazenamento automático. Testes com RPA (Automação Robotizada de Processos) já estão em andamento, para facilitar o dia-a-dia, eliminar atividades repetitivas, e acelerar o processo administrativo. Todas essas iniciativas são definidas a partir da cadeia de valor do cliente, por isso, antes de automatizar ou digitalizar, temos como base a excelência operacional, que nos permite enxergar o que precisamos melhorar”, explica Misawa.

Para dar uma ideia dos avanços nesse campo, o diretor de operações da Ajinomoto do Brasil usa como régua as recomendações da a IFR – International Federation of Robotics. Essa referência indica que “a média mundial para o nível de automação, por meio da utilização de robôs, seria de 99 robôs para 10 mil trabalhadores. Atualmente, a Ajinomoto do Brasil conta com o dobro de robôs a cada 10 mil colaboradores, dentro da planta de alimentos. As linhas são automatizadas e digitalizadas, de acordo com uma lista de priorização baseada nas necessidades dos stakeholders”
Leonardo Andrade, líder Regional de Manufatura Inteligente da Cargill, entendendo que a empresa “possui um bom nível de automação das suas linhas produtivas” e que está “sempre em busca do aperfeiçoamento dos nossos sistemas”, explica: “A evolução tecnológica na área de automação faz com a que a Cargill sempre pense numa visão de médio-longo prazo, para tratar, de maneira consciente, a oportunidade para atualizar esses sistemas, e fazer as mudanças necessárias”.
Próximos passos
 
A automação e digitalização, dentro da Cargill – que, nos últimos anos, investiu alguns milhões de dólares em upgrade tecnológico –, seguem uma única estratégia, definida pela área de Manufatura Inteligente (Smart Manufacturing). E os próximos passos – descreve Andrade – “são focados na evolução tecnológica de três grandes eixos estratégicos da nossa transformação digital: Digital Foundation, Automation and Process Control e Advanced Analytics.”
 
 
Enquanto Digital Foundation tem relação com a maneira de coletar dados nas fábricas da Cargill, via tecnologias de IoT, sensores, novas tecnologias de análise rápida de laboratório, e inclui mobilidade das equipes de operação e manutenção, inclusive com o uso de Smart Glasses; Automation and Process Control, usando como referência o padrão ANSI/ISA 95 (Níveis 0 até 4), promove investimentos na evolução tecnológica dos seus PLCs/DCs (nível 0 – 2), além de governança em MOM/MES (nível 3), a fim de que os dados sejam corretamente gerenciados nos ERPs (nível 4). Já Advanced Analytics, ou Analítica Avançada, engloba a criação de gêmeos digitais, machine learn e inteligência artificial, com o intuito de tirar o máximo de valor dos dados gerados e tratados nos outros pilares estratégicos.

Como parte do processo de transformação digital, e para permitir que as novas tecnologias sejam incorporadas aos processos produtivos de maneira célere, desde 2018, a Nestlé direciona recursos no estabelecimento de “uma governança bem definida e uma maneira estruturada de atualizar e evoluir, com a topologia de rede, MES, SCADA, e aumentar a integração de OT e IT”, informa Moura, destacando que, este ano, “será investido um montante de R$ 1,7 bilhão em operações industriais, parte direcionada à automação e a novas tecnologias”.

Acelerar a replicação de soluções já consolidadas, e aumentar o número de processos com malhas de controle com laço fechado, são os focos os investimentos previstos pela Nestlé, que, garante seu líder de Transformação Digital para Operações no Brasil, compreendem, ainda, “amadurecer a aplicação de Gêmeo Digital, explorar novas aplicações que irão surgir com a vinda do 5G, e estreitar ainda mais a conexão com o ecossistema de inovação (start-ups, universidades, fornecedores etc.) e com as comunidades técnicas que tratam do tema”.

No caso da Nestlé, que está com todas as fábricas automatizadas, com linhas de produção detentoras de malhas de controle, para regular e controlar os processos, a evolução e o aprimoramento do nível de automação das linhas seguem caminhos diversos, e contam com suporte do Centro de Inovação e Tecnologia (CIT), que fica no Parque Tecnológico de São José dos Campos/SP, onde muitas inovações são desenvolvidas.

A ideia é “continuar o processo de digitalização dos processos industriais, e manter o nosso pioneirismo na implementação de tecnologias disruptivas”, reforça Moura, ao alinhar, entre as tecnologias utilizadas e em contínuo processo de evolução, o MES (Manufacturing Execution Systems) e os APCs (Advanced Process Control); o uso de modelos preditivos, construídos por meio de machine learning, e de manutenção preditiva, por meio do monitoramento e sensorização de alguns componentes de máquinas, em que é possível analisar os dados coletados, e emitir alertas à equipe de manutenção, quando potencial quebra ou falha poderá acontecer; utilização de RPA, que envolve a automatização com robôs de alguns trabalhos administrativos, que eram repetitivos e por vezes de baixo valor agregado.
 
 
O Gêmeo Digital é uma ferramenta que, na Nestlé, ainda está em fase de amadurecimento da aplicação, “mas almejamos que seja possível simular uma produção em um ambiente virtual e, antes mesmo da produção iniciar na fábrica, já saber quais os melhores setpoints do processo, em função das características das matérias-primas que serão utilizadas, e até mesmo estimar qual será o consumo energético daquela produção”, detalha Moura, e lembra de outras tecnologias aplicadas que estão mais ligadas à robótica e à customização de robôs, para atender demandas específicas das linhas, e permitir flexibilização de produção, como manufatura aditiva, com impressoras 3D para ipeças, que são usados na rotina de manutenção; e drones, para inspeção e vigilância dos sites.
 
Foco em talentos e na inclusão da mulher
 
Na Cargill, paralelamente aos planos de digitalização e evolução tecnológica, que ganharam força nos últimos dois anos, um dos maiores valores corporativos “é colocar as pessoas em primeiro lugar: elas são tão importantes quanto as tecnologias. Por isso, treinamento e preparo são fundamentais, sempre em busca de quais capabilities os colaboradores precisam e precisarão no futuro, para acompanhar essa transformação digital”, declara Andrade, comemorando o fato de a empresa investir “cada vez mais em seus talentos, capacitando-os para que sejam agentes da mudança e protagonistas dessa evolução. O profissional do futuro será aquele capaz de trabalhar e interpretar os dados que estão gerados constantemente em nossas operações”.

Essa atenção às pessoas também responde por uma ação muito recente da empresa: direcionamento de US㸢 100 mil na inclusão de mulheres em tecnologia na América Latina. Para isso, estabeleceu uma aliança com a ONG Laboratória, que cria oportunidades reais de emprego. A meta é contribuir para a maior participação feminina no setor de tecnologia, favorecendo a formação em competências tecnológicas, ampliar as oportunidades de emprego, e contribuir para a construção de uma economia digital mais diversificada e inclusiva.
 
Segurança alimentar e rastreabilidade
 
A contribuição da digitalização na rastreabilidade e na segurança alimentar é resumida por Misawa, da Ajinomoto, ao afirmar: “A velocidade e acuracidade da informação, sem dúvida, é a primeira contribuição, mas, ao mesmo tempo, abre mais possibilidades, como a disponibilidade de mais informações para o cliente/consumidor, a respeito das condições em que o alimento foi processado, transportado, origem, etc.”. Misawa também lista, entre os benefícios detectados pela empresa com a digitalização, “decisões mais rápidas, devido à disponibilidade da informação online, análises mais aprofundadas de dados, antecipação de problemas em equipamentos, melhoria em eficiência, redução de custo, predição de resultados, entre outros”.

Explicando o processo, o Líder Regional de Manufatura Inteligente da Cargill reforça: “Com a digitalização de nossa cadeia de processo, podemos rastrear o ciclo de vida de nossos produtos, de forma cada vez mais ágil e confiável. Essa rastreabilidade começa pela matéria-prima, passa pela etapa de manufatura, até chegar ao cliente final, que consome nossos produtos, seja uma outra empresa ou mesmo quem escolhe um produto na gôndola do supermercado. A digitalização vem somar valor aos robustos padrões de rastreabilidade e segurança alimentar, que a Cargill já possuía”.

De acordo com Andrade, os benefícios “passam por aumento de eficiência da produção, por uma melhoria de critérios de investimentos orientados aos dados, que estão sendo explorados pelos conceitos de Analítica Avançada, até chegar na entrega de novas ferramentas digitais para nossas equipes operacionais, o que permite que o trabalho do dia-a-dia seja executado de maneira mais eficiente”.

O diretor Industrial da Minerva Foods, concordando com o fato de que a digitalização na produção de alimentos contribui efetivamente para o aumento de qualidade e eficiência em todos os processos na operação, relata que “na Minerva Foods, temos o compromisso de assegurar a excelência e segurança do que produzimos em todo o ciclo de produção. Desta forma, e alinhados ao pilar estratégico de inovação da Companhia, temos trabalhado na implementação de novas tecnologias, para garantir a eficiência em todas as etapas de nossos processos, do campo à mesa, e entregar o mais alto padrão de qualidade para os nossos consumidores”.

Entre as ferramentas utilizadas, Irizawa cita a utilização do SMGeo, “um sistema desenvolvido pela NicePlanet Geotecnologia, que nos permite realizar o monitoramento de todos os nossos fornecedores, antes de qualquer transação, e avaliar se os pecuaristas estão em conformidade com as normas socioambientais. Hoje, mais de 19 mil produtores em todo o País estão cadastrados na plataforma de monitoramento da Companhia, em todas as regiões de operação, que soma mais de 14 milhões de hectares, monitorados de maneira privada no Brasil”. Essa atividade – salienta o diretor da Minerva Foods – foi estendida às operações no Paraguai, onde a empresa “conta com mais de 3 mil produtores, cadastrados em uma área de cerca de 12 milhões de hectares. Somadas, as operações no Brasil e Paraguai totalizam mais de 26 milhões de hectares, monitorados geograficamente, uma área equivalente ao território do Reino Unido”.
 
 
Especificamente para o processo produtivo, a Minerva Foods está “implantando uma tecnologia para automatizar a tipificação de carcaças em nossas operações, que potencializa a capacidade e rendimento da produção. Com o uso de Inteligência Artificial, o processo de classificação será capaz de analisar imagens específicas, coletadas por meio de câmeras especiais, instaladas dentro das unidades produtivas, e reproduzir, em tempo real, o padrão de corte em todas as carcaças trabalhadas, de maneira mais ágil e precisa. Dessa forma, podemos potencializar a padronização de tipificação de carcaças, além de aumentar a precisão dos dados sobre a produção.”
 
 
“E, como entendemos que a digitalização é importante, de uma ponta a outra, nossos consumidores podem acessar as informações do processo produtivo por meio de um QR Code, incorporado nas embalagens das linhas Estância 92 e Angus. Ao escanear a imagem com qualquer dispositivo móvel (smartphone ou tablet), os clientes contam com acesso a uma página repleta de informações, como a origem do gado, tipo do corte e a fonte de energia utilizada em nossas operações, por exemplo”, observa Irizawa,
 
 
 
 
 
 
 
LEIA MAIS NA EDIÇÃO IMPRESSA

DESEJANDO MAIS INFORMAÇÕES: redacao@editoravalete.com.br
Clique na capa da revista para
ler a edição na íntegra


© Copyrigth 2001 – Valete Editora – São Paulo, SP