Revista Controle & Instrumentação – Edição nº 268 – 2021



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Marco do saneamento coloca bilhões em investimentos no mercado
 

 
 
 
O Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) liberou mais de R$ 152,2 milhões, para a continuidade de obras de saneamento básico, em 19 estados – Bahia, Ceará, Distrito Federal, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Paraná, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Rondônia, Santa Catarina, São Paulo e Sergipe.

Segundo o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, o Governo está fazendo todo o esforço, para que não haja nenhuma interrupção do cronograma físico-financeiro dessas obras. E serão R$ 82,6 milhões para o NE, com a Bahia recebendo o maior volume de recursos repassados: R$ 28,8 milhões, que serão aportados em projetos nas cidades de Alagoinhas, Camaçari e Salvador – a capital baiana receberá a maior parte, R$ 22,94 milhões. Na região Sudeste, a maior parte dos recursos será destinada ao estado de São Paulo: a capital paulista terá investimentos de R$ 12,63 milhões; o aporte do Ministério ao Rio Grande do Sul será de R$ 9,1 milhões, e Farroupilha receberá R$ 7,59 milhões, enquanto Porto Alegre, R$ 1,36 milhão. Duas cidades de Mato Grosso do Sul receberão repasses de R$ 8,6 milhões. Goiás, R$ 5,3 milhões; Mato Grosso, R$ 1 milhão; Distrito Federal, R$ 841,45 mil. Na região Norte, os repasses federais para empreendimentos de saneamento básico vão atender os estados de Rondônia (R$ 7,8 milhões) e do Pará (R$ 3,1 milhões).

O novo Marco Legal do Saneamento, que completou um ano, em julho de 2021, tem como objetivo alcançar a universalização dos serviços de saneamento básico, até 2033, garantindo que 99% da população brasileira tenha acesso à água potável e 90%, ao tratamento e à coleta de esgoto. Então, desde janeiro de 2021, R$ 457,47 milhões do Orçamento Geral da União (OGU) foram repassados, para garantir a continuidade de empreendimentos de saneamento básico pelo país, e R$ 1,39 bilhão foi assegurado para financiamentos por meio do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), e de outros fundos federais financiadores. Isso tudo elevou a carteira de obras e projetos do MDR – contratos ativos e empreendimentos em execução, ou ainda não iniciados – a 1.166 empreendimentos, somando um total de R$ 42,54 bilhões, sendo R$ 24,97 bilhões em financiamentos, e R$ 17,57 bilhões do Orçamento Geral da União. Mas, o grosso dos investimentos virá do setor privado.
 
 
Muitos números e muita gente atenta. Segundo o sócio da KPMG, Maurício Endo, 2022 será decisivo para empresas que atuam neste setor, já que serão realizados movimentos importantes, neste período. “As perspectivas são positivas, mas ainda há muitas ações a serem concretizadas na distribuição de água e na coleta e tratamento de esgoto, que trarão inúmeros benefícios para a população”, analisa.
 
As perspectivas de que fala Maurício são a publicação de editais para novos leilões de concessão e PPP de Saneamento nos estados (Ceará, Rio Grande do Sul, etc.) e municípios (Porto Alegre, Feira de Santana, etc.); IPOs (abertura de capital) e venda de controle de Companhias Estaduais de Saneamento Básico como CORSAN (IPO), EMBASA (IPO), SABESP (venda de controle) e COPASA (venda de controle); e investimentos privados e novos entrantes estratégicos e financeiros, nacionais e internacionais, no setor de saneamento brasileiro.

O Decreto 10.710/21 estabelece que, até março, as Agências Reguladoras Locais deverão se certificar da capacidade financeira das operadoras de saneamento, nos municípios nos quais operam os serviços de saneamento, para garantir a universalização do saneamento, até 2033. E as operadoras de saneamento que não conseguirem essa certificação (Decreto 10.710) terão os contratos de concessão e de programa, com os municípios nos quais operam, declarados como irregulares. Os Governos Estaduais precisam finalizar a regionalização dos municípios, para a Universalização do Saneamento, conforme previsto na Nova Regulação do Saneamento (Lei 14.026/20), e os municípios que não aderirem à regionalização não poderão receber qualquer apoio técnico ou financeiro da União.

Também está difícil para a Agenda Regulatória da ANA – Agência Nacional de Saneamento Básico – que tem até 2023, para elaborar e publicar 23 novas normas nacionais de regulação dos serviços de saneamento. Para quem acha que é muita coisa, some a esse cenário, que foca no esgoto, a parte de garantias hídricas: o Governo quer criar a Política Nacional de Infraestrutura Hídrica. O Marco Hídrico planeja um novo conjunto de regras, para otimizar o uso da água e ampliar a capacidade de acesso pela população, segundo o Governo. A estimativa é de que o setor hídrico brasileiro demande investimentos de R$ 40 bilhões, até 2050, o que não seria viável apenas com recursos públicos. Para cada R$ 1 investido no aumento da segurança hídrica, estima-se que R$ 15 são gerados em benefícios econômicos.

Outro diferencial desse novo marco seria a criação do instrumento da cessão onerosa pelo uso de recursos hídricos, que propõe a realocação negociada da água. A negociação será voluntária, temporária e, possivelmente, remunerada, para todos os usuários que desejarem realizar esse processo. Além disso, o acordo deve ser registrado no poder público. O projeto define ainda a nova atribuição do Conselho Nacional de Recursos Hídricos, que passa a analisar e aprovar os Planos de Recursos Hídricos de Bacias de rios de domínio da União, antes aprovados apenas pelos Comitês de Bacias Federais.

De certo, um segmento tão abandonado, deu resposta rápida: a adesão à regionalização dos serviços de saneamento básico superou as expectativas do Ministério do Desenvolvimento Regional: dos 22 estados habilitados, 15 conseguiram entregar, dentro do prazo estipulado (31 de dezembro), a documentação que comprova a capacidade econômico-financeira de realizar investimentos no setor, para cumprir as metas de universalização estipuladas pelo novo Marco Legal do Saneamento: 99% da população brasileira com acesso à água potável, e 90% a tratamento e coleta de esgoto, até 2033. Essa comprovação é uma das exigências do Governo Federal.
 
“Antes do Marco Legal, não havia metas, previsibilidade e regulamentação. Agora é imprescindível que as empresas comprovem o seu poder de investimento, para que o objetivo de universalizar os serviços de saneamento seja uma realidade. Durante o período dos contratos, fica a cargo das agências reguladoras, realizar os monitoramentos e avaliar se a prestação de serviços é compatível com a meta definida”, afirma o secretário nacional de Saneamento, Pedro Maranhão.
 

 
E a capacidade dos prestadores é analisada em duas etapas: são analisados índices referenciais mínimos de alguns indicadores econômico-financeiros do prestador de serviço, numa análise retrospectiva, uma vez que os dados devem ser calculados com base nas demonstrações contábeis dos últimos cinco anos do prestador; numa segunda etapa, é analisada a adequação dos estudos de viabilidade, e do plano de captação apresentados pelo prestador, para cumprimento das metas de universalização nos municípios em que possui contratos em vigor.
 
 

 
A Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente do Estado de São Paulo explica que o principal objetivo da regionalização do saneamento é o cumprimento do novo Marco Legal (Lei Federal nº 14.026/2020), e a Lei Federal determina a formação de blocos com o objetivo de instituir uma Governança do saneamento. Em São Paulo, as chamadas Unidades Regionais de Serviços de Abastecimento de Água Potável e Esgotamento Sanitário (URAEs) foram criadas pela Lei Estadual 17.383/21, para regulamentação. Para tanto, foram consideradas a capacidade econômica dos municípios, a garantia de segurança jurídica dos contratos, além da permissão para compartilhamento da infraestrutura. No total, são quatro blocos: URAE 1 – Sudeste, URAE 2 – Centro, URAE 3 – Leste e URAE 4 – Norte. Então, além de acelerar a universalização, a nova lei permite que áreas, cuja Prefeitura tenha um plano de regularização fundiária, passem a ser atendidas com serviços de água e esgoto. A nova lei também condiciona a adesão a financiamento e tomada de empréstimos federais à participação do município nos blocos: aqueles que não aderirem à unidade regional estabelecida pela lei federal precisarão garantir, de forma isolada e independente, o atendimento às metas de universalização e o equilíbrio econômico da prestação dos serviços, com tarifas locais e sem acesso a recursos da União, ou com recursos geridos ou operados por órgãos ou entidades da administração pública federal.

Mas, o que de fato muda com a nova Lei para ETEs e ETAs e Captação de água? A Lei nº 14.026/2020 foi sancionada dia 15 de julho. Após mais de um ano, o Marco Legal do Saneamento Básico já se traduz em investimentos. Foi o modelo que permitiu a concessão do saneamento no Rio de Janeiro. Somente por parte da Águas do Rio, representa R$ 39 bilhões, entre outorga e investimentos diretos em água e esgoto no estado.

Quando comparamos alguns serviços públicos, o Brasil assume uma posição de ponta, em serviços como telefonia. Mas, no saneamento, estamos muito atrasados, pois, temos, segundo o Instituto Trata Brasil (com base no SNIS), mais de 35 milhões de brasileiros sem água, e 100 milhões sem acesso ao serviço de esgoto. O novo marco do saneamento veio contribuir para tirar esse grande atraso. As empresas que têm expertise em saneamento, como Aegea, passaram a ter garantias para buscar investimentos, e se planejar para promover a mudança do quadro atual do saneamento básico no Brasil.

O marco estabelece, como meta a ser perseguida, tanto para os contratos vigentes, como para os firmados após a publicação da Lei, o dever das empresas de ampliar o fornecimento de água para 99% da população, e de coleta e tratamento de esgoto para 90% da população, até dezembro de 2033.

“O projeto muda a dinâmica do setor, e estimula a livre concorrência, a competitividade, a sustentabilidade econômica e a eficiência na prestação de serviços, tornando obrigatória a abertura de licitação, envolvendo empresas públicas e privadas. A nova lei traz a possibilidade de os estados formarem blocos de municípios, para contratar coletivamente os serviços. Foi o que aconteceu aqui no estado do Rio. Isso beneficia os pequenos municípios do interior, que, geralmente, possuem poucos recursos, ou não têm cobertura de saneamento. O marco trouxe uma segurança jurídica e disciplina, para atrair investidores, e também estabeleceu metas e prazos para todos os agentes do saneamento, seja público ou privado”, afirma a Águas do Rio.
 
Viviana Borges, presidente da AESABESP – afirma que a universalização já existe em algumas cidades brasileiras, e pode ser alcançada em outras, com investimentos garantidos. “A universalização passou a ter maior abrangência, com a Lei 14.026, quando estendeu à população que reside em locais irregulares o direito ao saneamento básico nessas áreas. Com isto, onde as companhias operadoras de saneamento não eram autorizadas a atuar, como áreas invadidas à beira de rios e morros, passaram a poder fazê-lo. Isso exigirá mais investimentos em novas tecnologias, para suprir as adversidades, por vezes, de forma singular”, pondera Viviana, que afirma que o Código das Águas, de 1934, foi escrito com muita sabedoria, e indica que a captação de água para as cidades deveria ser realizada nos corpos d’água a jusante do descarte de esgotos gerados pelas cidades (não contaminando as águas que não se consomem).

“Conhecendo a autodepuração dos esgotos domésticos, a cidade poderia administrar os desejos, na distância e tempo adequados, para a captação não ser prejudicada com uma qualidade da água que oneraria custos de tratamento. Entretanto, o fato é que as cidades se desenvolveram desordenadamente, e herdamos, por vezes, uma situação caótica, que exige uma gestão pública, não só de saneamento, voltado para administração de problemas complexos. A tecnologia é essencial na solução de problemas complexos. As cidades crescem e, por exemplo, a quantidade de chuvas pode não garantir recursos hídricos para a população abastecida, assim, é necessário investir em represas, para reservar água para as épocas de estiagem, o que poucos municípios investem, e, tendo ou não uma represa, se faz necessário monitorar as chuvas e o nível dos corpos d’água. Outro exemplo é conhecer a qualidade da água dos corpos d’água, para garantir um adequado tratamento de água ou dos esgotos. A Lei 14.026 estabelece metas a serem pactuadas entre as operadoras de saneamento e os municípios. Para atingi-las, há de se monitorar com medições sistemáticas e confiáveis, e intervenções em todo o processo”.
 

 

Nesse novo contexto, como poder concedente, o município perdeu o direito de estabelecer o Contrato de Programa, que é aquele efetuado entre órgãos públicos, comum entre companhias estaduais de saneamento; com a nova Lei, o município deve gastar seus recursos, realizando uma licitação. Ocorre que, quando os municípios são pequenos, estes recursos são significativos, e a operação de saneamento deficitária ou pouco atrativa, na concorrência entre operadoras, sobrando o ônus para as empresas públicas. Durante as discussões sobre a alteração do marco legal, chamaram-se estes casos de “osso” do negócio, pois, a iniciativa privada só se interessaria pelo “filé”. Um exemplo foi o leilão do Lote 3, do Rio de Janeiro, em abril, que não teve interessados, mesmo juntando sete cidades. Para maior equilíbrio, as discussões trouxeram a criação de blocos de municípios, presentes na Lei 14.026. Os estados organizam os blocos de municípios para reduzir o desequilíbrio e, quando não for feito, a federação se responsabiliza. Os municípios, possuindo ou não agências reguladoras dos serviços de saneamento, passam a receber diretrizes da federação, por meio da ANA – que foi criada para gerir os recursos hídricos, e a contratação de especialistas veio através de concursos públicos, oferecendo bons salários, e pontuando os currículos. Com a Lei 14.026, a ANA passou a ser responsável também pelo saneamento!
 

 
 
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“Como é tradicional e, portanto, grave a falta de investimentos históricos em saneamento no Brasil, tal desestímulo provocou, paulatinamente, a carência de especialistas no país, e não há sinal de mudança com a nova Lei, já que o especialista em saneamento demanda muitos anos para a sua formação e, consequentemente, muito poucos professores ensinados nas universidades. O que se produz, como formação nas universidades, são apenas metodologias, que servem de base para o desenvolvimento a ser aplicado no saneamento. Posso falar sobre isto, pois, adquiri a experiência de estudar sobre recursos hídricos, e trabalhar com saneamento. Portanto, a falta de contratação de especialistas em saneamento pode causar desequilíbrios à ANA, por exemplo, ao estabelecer diretrizes, compradas de prateleiras, de técnicas de calibração de medidores não condizentes com a realidade brasileira. As agências de saneamento, como referência, têm uma atribuição muito importante, para garantir à população saneamento de qualidade. Isto é importante para que, por exemplo, a operadora não deixe de realizar manutenções adequadas e, em alguns anos, devolva para o governo operar ativos depreciados, e que comprometam a quantidade e qualidade de água para a população. Ressalte-se que contratos vigentes são revistos para contemplar as metas de universalização, no prazo estabelecido na Lei 14.026”, explica Viviana.

Para acompanhar a evolução das ações no saneamento, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCESP) lançou o ‘Painel de Saneamento Básico’. A Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente do Estado de São Paulo aponta que os investimentos necessários para universalizar os serviços de saneamento, em cada uma das URAEs do estado, foram estimados com base na parcela da população total dos municípios, que, atualmente, não tem acesso aos serviços de distribuição de água tratada por rede pública e/ou serviços de coleta e tratamento de esgotos por rede pública. Portanto, a projeção de investimentos constitui uma referência inicial, que deverá ser aprofundada pela respectiva Unidade – após sua criação – no desenvolvimento do plano regional da referida URAE. No caso da Sabesp, todos os contratos vigentes continuam em andamento, e seguem estritamente o que foi estabelecido. Vale lembrar que a Companhia já atende a todos os critérios legais estabelecidos. As cidades atendidas estão alocadas na URAE 1 – Sudeste.
 
Martim Afonso Penna, Diretor Executivo na Associação Brasileira da Indústria de Álcalis, Cloro e Derivados (Abiclor), e Associação Latino-Americana da Indústria de Cloro, Álcalis e Derivados (Clorosur), lembra que o novo marco do saneamento prevê a universalização do acesso à água tratada, e à coleta de esgoto, por meio de novas concessões e abertura do setor ao investimento privado. “E mais: a Lei prevê ainda a obrigatoriedade da inclusão de cláusulas de performance, voltadas à qualidade do serviço prestado, à redução de perdas na distribuição, e à melhoria dos processos de tratamento, além de atribuir à ANA o papel de fiscalização do cumprimento destas metas. Dessa forma, as Estações de Tratamento de Esgoto (ETEs) e Estações de Tratamento de Água (ETAS), bem como toda a malha de distribuição de água e coleta de esgoto, deverão passar por uma expansão, com a adição de novos e mais modernos sistemas, com foco, não só em aumento de capacidade, mas também em melhoria de desempenho operacional. Em resumo, a lei estabelece as bases que são necessárias para o avanço do tão almejado, relevante e justo benefício para o bem-estar e a saúde da sociedade, como um todo. Há ganhos importantes de qualidade de vida, Saúde e Educação – pela redução no nível de abstenção escolar, em razão de doenças de veiculação hídrica, e pelo crescimento da economia, propriamente”.
 
A previsão é de que as grandes mudanças aconteçam até o prazo estabelecido de 2033 ou, no mais tardar, até meados da próxima década. Para isso, é preciso que os leilões, as concessões, e os grandes projetos e investimentos comecem de fato a sair do papel, nos próximos anos, como já estamos vendo acontecer com os leilões realizados em Alagoas e Rio de Janeiro, por exemplo.

“A lei fornece os meios que inicialmente são necessários para planos nacionais, ou seja, é um plano de Estado, e não de um ou outro governo. A grande mudança é a permissão para se criar blocos de municípios e, com isso, ganhar escala e atratividade para os projetos de concessão. No âmbito federal, basicamente caberá o papel de fomentador e estruturador de projetos via BNDES, e o de regulador por meio da ANA, e, claro, novos contratos também serão necessários”, diz Martim Afonso.

E há casos e casos.

Sabe-se que a Sabesp é, sozinha, responsável por 30% a 50% do investimento em saneamento do Brasil. Na época da crise hídrica do Sistema Cantareira, em 2014 e 2015, a Sabesp subiu esse investimento, porque precisou antecipar obras, e criar novas obras de flexibilização do Sistema Integrado Metropolitano, para levar água de mananciais distantes à população, antes abastecida pelo Sistema Cantareira. As operadoras de saneamento na Califórnia (EUA) fazem seus negócios baseados num plano de negócio, que tem como premissa determinado faturamento, tendo em vista cobrir os investimentos realizados ao longo do contrato. Quando o faturamento cai abaixo do previsto, o governo aporta recursos. Neste caso, não houve ajuda dos governos federal, estadual ou municipal com recursos públicos para a Sabesp, visando a compensar a perda de receita na saúde financeira da empresa, pela falta de água bruta nas represas do Sistema Cantareira que a Sabesp construiu. Pelo contrário, a Sabesp abriu mão de receita, oferecendo bônus para a população economizar água.

E apesar disso, há muita expectativa na venda de seu controle. Saneamento, no Brasil, não é uma questão de empresa pública ou privada, mas de gestão.

Em 30 de abril de 2021, o Rio de Janeiro concluiu a licitação para a concessão dos serviços de abastecimento de água e tratamento de esgoto em 29 municípios, dentre eles a capital do Estado; até então, os serviços eram prestados pela Companhia Estadual de Águas e Esgoto do Rio de Janeiro – Cedae. O estado decidiu conceder os serviços à iniciativa privada, o que deve atrair investimentos de forma eficiente no setor, em prol do cumprimento das metas estabelecidas no Novo Marco Legal. A obrigação assumida pelas novas concessionárias é que, até 2033, o serviço de abastecimento regular de água amplie-se, de 87%, para 99% da população atendida por essas concessões, e, em relação ao tratamento de esgoto, atualmente disponibilizado para apenas 68% da população, esse número deve atingir 90% da população na mesma data. A previsão é de que as novas concessionárias invistam cerca de R$ 30 bilhões, no prazo das concessões, ou seja, 35 anos.

A Águas do Rio lembra que o Brasil está entre as 10 maiores economias do mundo, mas ainda não conseguiu levar serviços de saneamento básico a todos os brasileiros. Segundo o Instituto Trata Brasil, para universalizar os serviços de água e esgoto são necessários investimentos estimados em R$400 bilhões – diante desse desafio, a participação do setor privado é fundamental. A Águas do Rio faz parte do grupo Aegea, grupo privado no Brasil, que já atuava em 153 municípios, entre eles, o Rio de Janeiro.
 

 
Em primeiro de novembro de 2021, a Águas do Rio assumiu os serviços de abastecimento de água, coleta e tratamento de esgoto, em 27 cidades fluminenses, incluindo 124 bairros da capital. A empresa marcou esse começo, iniciando 100 obras de infraestrutura nos municípios atendidos. Está investindo e explica que, quando fala em investimento em saneamento, se refere a toda infraestrutura dos sistemas de abastecimento de água, coleta e tratamento de esgoto: são estações de tratamento e de bombeamento, tubulações que compõem as redes de distribuição de água e de coleta de esgoto, laboratórios, centros de controle, maquinários, equipamentos, frota, além de profissionais capacitados para a operação desses sistemas. Outro grande investimento é em inovação e tecnologia de ponta, como a existente no Centro de Operações Integradas (COI), implantado na sede da concessionária no Centro do Rio de Janeiro.
 

 
 
Antes mesmo de assumir, a Águas do Rio já havia investido R$ 10 milhões na criação do COI e na instalação de 1.100 sensores de pressão de água nos sistemas de distribuição. A empresa sabe que o uso de tecnologia avançada vai permitir o monitoramento, em tempo real, 24 por dia, e a operação remota de máquinas e equipamentos, nos 27 municípios atendidos.

Viviana Borges concorda: uma boa gestão não pode prescindir de boas informações e de muitos dados para assertivas tomadas de decisão. Dados dependem de instrumentos no campo, e centrais que estão em desenvolvimento contínuo. Por isso, a AESabesp está sempre fomentando o desenvolvimento de novas tecnologias, e servindo de intermediação para trazer as novidades para o público adequado, e para todos ganharem tempo e, consequentemente, recursos para a boa gestão, a boa prestação de serviço à população.

“Grosso modo, falamos de obras custosas, de grande porte e de longa extensão. Mas, não podemos nos esquecer que obras custosas são antecipadas por projetos bem elaborados. Projetos dependem de dados históricos, para estimativas mais próximas da realidade, para não se superestimar e nem subdimensionar. Então, voltamos à questão de que instrumentos no campo automatizados, sistemas informatizados e sistemas telemétricos formam a base de dados, que se transformam em informações tão importantes para uma tomada de decisão assertiva e, consequentemente, uma gestão eficiente. Assim, devem estar incluídos nos investimentos em saneamento, deve ser uma estratégia adotada pelas empresas de saneamento e, como objetivo estratégico, deve ser acompanhado de perto e com carinho pela alta administração, que tem muito a ganhar com isso, quando é cobrado pelo resultado da empresa. O setor de saneamento é carente e ausente em muitos locais, mas temos onde buscar referências, no Brasil e no mundo, e aprimorar o conhecimento técnico para muito além do que se estuda nos bancos das faculdades de graduação e pós-graduação. Posso afirmar que existem trabalhos apresentados no Encontro Técnico da AESabesp, que detalham até que nível de especificação é necessário na aquisição de uma válvula, dependendo da função e localização que ela deva ser instalada, e o quanto esta necessidade pode impactar no custo de um reservatório setorial. Então, dependendo de onde a empresa está situada no mercado de saneamento, e onde ela quer estar, em que espaço de tempo, é importante cuidar dos investimentos em amplo espectro”, explica a presidente da AESabesp – que nasceu de um grupo de engenheiros da Sabesp, cresceu e se tornou uma OSCIP – Organização da Sociedade Civil de Interesse Público –, com associados, pessoas físicas de todas as formações e pessoas jurídicas, ligados de alguma forma ao saneamento, e vem contribuindo, no compartilhamento de conhecimento e na formação dos especialistas com cursos, com Momentos de Tecnologia, com o Encontro Técnico, Fenasan e outros. Em 2019, a AESabesp sonhou em levar as pessoas a se interessar, e a falar sobre saneamento. Foi concebido o Museu Água, que ganhou um espaço e um lindo projeto a ser implantado. Em 2021, o Museu ganhou o prêmio Aldir Blanc, ganhou apoiadores e recursos de patrocinadores, pessoas físicas e jurídicas, e promete ótimos momentos, para 2022.
 

 
A Sabesp pretende investir R$ 23,8 bilhões, até 2026, e a maior parte desse total vai para o abastecimento de água, até 2023, mas, a partir de 2024, o foco estará sobre a coleta de esgoto. Esta é a forma da Sabesp concentrar esforços no cumprimento das metas previstas no marco legal do saneamento – e continuar, como afirmou em outubro passado, durante teleconferência com investidores, que está “muito confortável”, em relação ao cumprimento das metas, nas regiões onde presta os serviços de saneamento básico, prevendo atingir uma condição de universalização, antes mesmo de 2033.

Para atingir as metas de universalização do saneamento – 99% de água tratada, 90% de esgoto coletado e tratado, e redução das perdas de água tratada, de 40%, para 25% – estima-se que serão necessários investimentos de cerca de R$ 750 bilhões, até 2033 – R$ 255 bilhões desse total, apenas para recuperação dos ativos existentes. Martim Afonso Penna aponta que diversas tecnologias serão necessárias para a construção, operação e monitoramento de sistemas mais eficientes, além da recuperação e melhoria de performance dos sistemas atuais. “Considerando que, atualmente, 40% de toda a água tratada é desperdiçada pelos atuais sistemas de distribuição, no caminho entre as Estações de Tratamento de Água (ETA) e a casa do consumidor, é possível ter noção dos desafios e oportunidades de avanços tecnológicos que se apresentam. É importante mencionar que as tecnologias de saneamento (água potável e esgoto) são bastante conhecidas e desenvolvidas no Brasil. Certamente, melhorias contínuas na operação dos atuais sistemas das ETEs e ETAs de distribuição de água e coleta de esgoto deverão ser realizadas, sendo um processo contínuo de melhorias. Quando se pensa em investimento em saneamento, o maior escopo, sem dúvida, está na malha de distribuição de água e coleta de esgoto, com suas tubulações, conexões, válvulas, poços de visita, instrumentação e controle, entre outros. Em uma avaliação inicial, estima-se que, aproximadamente, 410 mil km de tubulações – 148 mil km, referentes às redes de distribuição de água tratada, e 261 mil km, de coleta de esgoto – de diferentes diâmetros, serão instalados nos próximos anos. No caso das tubulações de até 500 mm de diâmetro, 96% serão em plástico, prevalecendo o PVC (com participação de 70%), e polietileno de alta densidade (PEAD). Acima de 500 mm de diâmetro, prevalece a tubulação metálica. Tubos de concreto, de diferentes diâmetros, também serão utilizados nas redes de esgoto. Haverá também necessidade elevada de produtos químicos, para o tratamento e a desinfecção de águas e esgotos. Estudos recentes do BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – indicam um volume de compras desses produtos na ordem de R$ 28 bilhões, até 2033 (tratamento de água R$ 22 bilhões, e tratamento de esgoto, R$ 6 bilhões). E a indústria nacional tem condições de atender ou promover os ajustes necessários para atender às melhorias desses sistemas”, afirma o diretor da Abiclor e Clorosur, que garante que o Brasil está bem-posicionado, quanto à capacidade de produção nacional dos insumos necessários para o tratamento da água (cloro e derivados), bem como para a produção do PVC e PEAD, principais materiais a serem utilizados nas redes de tubulações de água e esgoto, em decorrência de suas propriedades, como estanqueidade, leveza, durabilidade e, ainda, por serem recicláveis.

As empresas do setor cloro-álcalis nacionais estão inseridas na nova dinâmica do mercado, visto que são fornecedoras de insumos para materiais construtivos, como o PVC, por exemplo, além de produtos de desinfecção necessários ao saneamento, entre eles, o cloro gás liquefeito e o hipoclorito de sódio. A Abiclor tem colaborado, desde o início das tratativas, sobre o Marco Legal do Saneamento, até a sua sanção, com participação nos esforços de planejamento do programa, bem como no avanço do planejamento interno da indústria de cloro-álcalis nas demandas futuras, no que diz respeito aos negócios do setor. E Martim Afonso cita o Aquapolo, para ilustrar as ações das indústrias químicas e petroquímicas.
 

 
 
Ações da Indústria
 
Carlos Barbeiro, coordenador executivo de Segurança, Saúde e Meio Ambiente do COFIP ABC, conta que, desde 2007, as indústrias do Polo Petroquímico do Grande ABC têm estudado questões relacionadas ao recurso hídrico da região, com foco em diversos pontos:

1. Escassez hídrica da região do ABC;
2. Os altos custos, associados à água de qualidade;
3. Necessidade de redução de custos com manutenção das plantas;
4. Maiores requisitos de outorga de captação pelos órgãos ambientais, aliado às fontes existentes, cada vez mais poluídas;
5. Crescente demanda por água, para atender aos planos de crescimento do Polo;
6. Desenvolvimento de estratégia de redução do impacto ao meio ambiente do Polo.
7. Garantia do fornecimento de água, independentemente das mudanças climáticas.

 
Com o objetivo de implantar soluções aos pontos mencionados acima, com destaque para os três últimos tópicos, em 2009, nasceu o Aquapolo Ambiental S.A. Trata-se de uma parceria público-privada, criada para atender às necessidades hídricas das indústrias e municípios da região do ABC, que foi, originalmente, viabilizado pelas indústrias do Polo Petroquímico do Grande ABC.
 
“O Aquapolo é o maior empreendimento da América Latina, e um dos maiores do mundo, referente à produção e fornecimento de água reciclada para fins industriais, a partir do esgoto tratado. Possui capacidade para fornecer até 1.000 litros por segundo de água industrial, volume suficiente para manter uma cidade com cerca de 500 mil habitantes” conta Márcio da Silva José, Diretor Presidente da Aquapolo.

 
Desde 2012, início das operações do Aquapolo, com exceção aos usos relacionados ao consumo humano, as indústrias do Polo passaram a utilizar água industrial, a partir da reciclagem do esgoto tratado em seus processos. Ao utilizarem água reciclada, as empresas contribuem diretamente para a sustentabilidade do recurso hídrico no ABC paulista. Ao deixarem de consumir água potável em seus processos industriais, elas liberam o excedente desse recurso para o consumo humano, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida da população, e da comunidade do entorno. A água industrial também trouxe outros benefícios para as empresas, como o aumento do espaçamento entre as paradas de manutenção, em decorrência da qualidade da água fornecida pelo Aquapolo, reduzindo custos e eventuais acidentes de trabalho. O uso da água industrial levou a ganhos de imagem, às marcas e aos produtos produzidos com recursos sustentáveis. E, sob a liderança da Braskem, na época Quattor, houve uma consolidação das necessidades de todas as empresas do Polo em relação ao uso da água.

Ano após ano, as empresas vêm otimizando a reutilização interna de água industrial, com investimentos em novas tecnologias e em sistemas eficientes de aproveitamento hídrico, como os de tratamento de efluentes. Algumas unidades industriais atingiram um alto nível de eficiência com a implantação de plantas secas, ou seja, todos os efluentes são tratados e reutilizados internamente, em seus próprios processos industriais.

A tecnologia de tratamento de água de cada fornecedor de efluente deve atender a requisitos mínimos do receptor para reutilização nos processos industriais. O COFIP ABC dispõe de grupos de trabalho, formados por especialistas em Meio Ambiente e Segurança de Processos. Esses especialistas se reúnem mensalmente para discussão, troca de informações e de boas práticas, além de alinhamento de assuntos comuns sobre atendimento à legislação, auditorias em destinatários de resíduos, etc. O COFIP ABC monitora e gerencia sua performance geral em Saúde, Segurança, Meio Ambiente e Segurança de Processos, por meio de indicadores socioambientais. As empresas associadas informam trimestralmente os indicadores ambientais, e o COFIP ABC realiza a consolidação dos dados e uma análise crítica, com a finalidade de traçar objetivos e estratégias de melhorias, que, por sua vez, são discutidas pelos grupos de trabalho. E os resultados também são apresentados em um evento sobre boas práticas, organizado pelo COFIP ABC.
 

 
As empresas contratantes possuem acesso online aos instrumentos do Aquapolo, responsável por controlar a qualidade da água reciclada, produzida e enviada aos clientes em tempo real. As salas de controle dos clientes possuem acesso 24 horas aos dados do Aquapolo.

“O Polo Petroquímico do Grande ABC foi pioneiro no Brasil, ao realizar uma parceria público-privada para tratar o esgoto, e transformá-lo em água de reuso industrial. É o maior projeto de reuso de água industrial do Hemisfério Sul. As indústrias do Polo estão contribuindo para o novo marco legal do saneamento, uma vez que parte do esgoto que seria descartado no meio ambiente é tratado, gerando água para os processos das empresas. Além disso, essas indústrias estão deixando de competir por água dos reservatórios e fontes naturais, garantindo mais disponibilidade hídrica potável para a sociedade. Com o novo marco do saneamento, projetos de sucesso, como o Aquapolo, poderão ser implantados em outras regiões onde estão instalados polos industriais, reduzindo a captação em corpos d’água natural e, com isso, ampliando a oferta de água potável ao consumo humano” afirma Márcio José. Além disso, o Aquapolo e os seus clientes contribuem com pelo menos cinco Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU:

ODS 6 – Água e Saneamento;
ODS 9 – Indústria, Inovação e Infraestrutura;
ODS 11 – Cidades e Comunidades Sustentáveis;
ODS 12 – Consumo e Produção Responsáveis; e
ODS 13 – Ação Contra a Mudança Global do Clima.

 
 
 
 
 
 
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