Revista Controle & Instrumentação – Edição nº 262 – 2021



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E conomia circular, sequestro de carbono e fontes de energia são parte importante das reflexões e pesquisas sobre eficiência energética. No Brasil, 46,1% da energia consumida se originam em fontes renováveis, enquanto, nos demais países, esse indicador é de 14,2%. Além disso, 82,9% da energia elétrica gerada no país provém de fontes renováveis; a média mundial é de 26,7%. Mas, a expertise em produção de energia renovável não se estende à eficiência de utilização, pois, entre as 16 maiores economias do mundo, o Brasil ocupa a penúltima posição em questões de eficiência energética. A importância disso cresce, na medida em que o custo da energia se junta à idade média do parque instalado, e à responsabilidade ambiental, dificultando a vida das empresas que não mudarem sua matriz energética de forma eficiente.

Então, a indústria vê duas rotas para a eficiência energética: a atualização de máquinas e equipamentos, e a construção de processos produtivos mais eficazes, somados à digitalização e à geração alternativa.
 
“As novas fontes são, em grande maioria, complementares, ajudam a amortizar o crescimento de consumo, em sazonalidade e picos, refletindo em economia financeira e ambiental”, afirma o professor Márcio Venturelli – coordenador Técnico do Instituto Senai de Tecnologia (IST), especialista em digitalização e Indústria 4.0.
Digitalização, analytics e inteligência artificial sendo usadas, desde a geração, até o consumo, passando pela distribuição, apontarão novos padrões, “de modo a sabermos utilizar com inteligência os recursos, e a compartilhar ao longo do Grid energético, que será inteligente”. E a inteligência do Grid se torna presente cada dia mais, com os usuários sendo produtores de energia e consumidores, “mudando o formato do que entendemos como consumir e compartilhar energia na rede elétrica, aliando à evolução da tecnologia solar”.
 
E os investimentos no setor de energia são crescentes. Em março, o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, anunciou investimentos que, até 2030, devem atingir R$ 329 bilhões, em geração de energia e linhas de transmissão, sendo que, ainda em 2021, devem ser injetados R$ 5 bilhões em expansão da geração centralizada, em 145 empreendimentos, localizados em 20 estados. Somam-se investimentos da iniciativa privada, na busca de energia limpa, novas fontes renováveis, redução de custos, que se revertem em busca da eficiência energética; e das próprias concessionárias, que investem na automação de seus processos, como forma de reduzir os custos internos. Neste caso, há exemplos de RPAs (Robotic Process Automation), relacionados à facilitação de processos que requerem grande carga de tempo, recursos e atividade dos colaboradores.
 

“Com a implementação dos robôs, os processos são imediatamente automatizados, e isso reduzi a possibilidade de falha, além de maximizar o tempo de execução das tarefas, e a produtividade de funcionários em outras áreas, diminuindo também os custos da empresa. Outra funcionalidade avançada da transformação é a quebra de captcha, eliminação de erros, redução do custo homem-hora, e facilidade para integração de sistemas de plataformas distintas”, explica Ramon Cordeiro, Head de Automação RPA da Certsys, que realizou, para Furnas, 11 automações no sistema, que já geraram mais de 350 horas de retorno ao negócio, além de 47 FTE reduzidos. Com um investimento de R$ 700 mil, até o momento, já foram reduzidos R$ 231 mil em custos, em média, por mês.

 

Quando o tema são as novas fontes, uma das principais dificuldades encontradas é a análise dos ganhos. Newton Duarte, vice-presidente executivo da Associação da Indústria de Cogeração de Energia (Gogen), cita a produção de um Tesla Model 3, que gera mais em emissões de gases de efeito estufa que um Toyota RAV4 movido a gás, em parte devido aos metais da bateria de íon-lítio do veículo elétrico. No momento em que ambos os carros atingem a vida útil típica do carro, de 200.000 milhas (322.000 km) na estrada, no entanto, a produção de emissões do Tesla é dramaticamente menor: teria gerado menos da metade do RAV4.

 
Para evitar surpresas desse tipo, os conceitos da Indústria 4.0 podem contribuir significativamente com eficiência energética em ambiente industrial, pois, a finalidade é fazer o melhor uso possível do ativo industrial, otimizando a cadeia de produção.
 

A maior transparência sobre a utilização de energéticos, avaliação e controle dos equipamentos, monitoração, valoração e comparação de índices de eficiência são alguns dos benefícios da Indústria 4.0, elencados por Alexandre Sedlacek Moana, diretor Técnico da Associação Brasileira das Empresas de Serviços de Conservação de Energia (ABESCO), em relação à eficiência energética.
“No setor industrial, o uso de ferramentas da Indústria 4.0, como a digitalização absoluta dos sistemas produtivos, casa com as novas regulações de mercado. Sem essa tecnologia, não conseguiríamos gerenciar um sistema em um mercado de aquisição de energia que trabalha com PLD horário. Essas ferramentas serão mandatórias para que um parque industrial possa sobreviver”.

 
Todas as disciplinas envolvidas na manufatura avançada, como IoT, big data, machine learning, têm seu papel. Contudo, de acordo com Newton Duarte, o fundamental desse conceito está em ser fundamental para “o uso eficiente de energia pelos equipamentos na indústria, e permitir fazer o melhor uso do ativo industrial, reduzindo o gasto com energia tradicional”. Além disso, pode contribuir para minimizar os efeitos de um mal crônico: 40% do uso de energia na indústria tem, como fonte, os motores elétricos.

Moana lembra que o conceito amplo de eficiência energética – toda a atividade em que são reduzidos os custos com utilização de energia, mitigados os malefícios ambientais e reduzido o uso de recursos naturais – leva em conta todo tipo de fonte de energia e trocas de matrizes energéticas, diferentemente do conceito estrito, de executar um certo trabalho utilizando o mínimo necessário de energia.

“Nesse contexto, podemos trabalhar com inserções e modulações de várias matrizes energéticas, equacionar operações com energias renováveis, operar boas compras nos mercados livre e cativo, armazenar energia, gerenciar pelo lado da demanda, etc.”, explica Moana, comemorando que os usuários de energia são cada vez mais produtores: “Recentemente, os consumidores de energia saíram da posição de passivos, sem opções além dos monopólios de fornecimento, para um horizonte de possibilidades, com escolha de fornecedores de energia, fontes, modelos de aquisição, opção de produzir através de renováveis, armazenar, etc., potencializando os resultados de um programa de eficiência energética”.

Trazendo para o ambiente industrial, Duarte frisa que “o uso adequado de máquinas e insumos levam à economia de energia e ao mínimo uso possível das máquinas. Nesse conceito, a Indústria 4.0 constitui a otimização dos ativos, e promove o uso eficiente da energia, principalmente quando associada às ações de cogeração e hibridização de fontes, com gás natural e biogás, biomassas, sem deixar de lado a geração eólica e a solar fotovoltaica, apesar da intermitência, e o hidrogênio, que ainda é um exercício”, constata.
 

Definindo o conceito 4.0 como um passo adiante da automação, inclusive por combinar várias tecnologias, incluir a Inteligência Artificial, e ir muito além da substituição da força de trabalho humana, uma vez que uma série de atividades passam a ser feitas de maneira remota, o engenheiro, físico e doutor em energia, Demóstenes Barbosa da Silva – presidente da BASE Energia Sustentável – destaca a enorme perspectiva com a Indústria 4.0 no setor de energia, porque todos os equipamentos dependem de energia elétrica de boa qualidade.
“As grandes empresas já se lançam para a autoprodução de energia, e fazem a integração com o grid local, monitorando suas demandas de forma automatizada, usando IoT e monitoramento remoto, com visão de conjunto. Assim, a indústria planeja as melhores épocas de gerar, e levam em conta o quanto isso pode ajudar na programação da produção, em resposta ao mercado”, resume Demóstenes Silva.

 
E, quanto às fontes de energia, Venturelli alerta que não existe milagre. Hoje, as novas fontes são, na maioria, complementares, ajudam a amortizar o crescimento de consumo, em sazonalidade e picos, refletindo em economia financeira e ambiental.

É importante considerar as questões da digitalização e do uso de dados, como forma de favorecer o aumento da eficiência, uma vez que se sabe exatamente o que e como se consome, podendo tomar decisões que levarão à economia substancial, principalmente nas plantas industriais.

Newton Duarte ressalta a necessidade de “considerar a eficiência no uso adequado dos ativos, pois, isso propicia aumento da produção a custos minimizados, buscando a eficiência energética como um todo, seja na eletricidade, seja em fornos de alívio de tensão, que são grandes consumidores de energia, para que a saída ocorra de forma adequada. E, aqui também, as tecnologias e soluções da Indústria 4.0 são fundamentais”.

As fontes renováveis são usualmente intermitentes, pois, dependem de fatores não controláveis pelo homem. E, para utilização, não há receita nem regra, mas condições e necessidades subjetivas a serem atendidas, além das objetivas: custo de produção, impacto ambiental, ganhos na redução das emissões de CO2 , autonomia na geração e no consumo, indicadores de eficiência, entre outros pontos.

A eficiência também varia de uma para outra, assim como o custo de geração – o foco na fonte é econômico. A hidrelétrica no Brasil é eficiente, a eólica nem tanto, mas na Alemanha faz sentido – depende de uma série de fatores. Mas, as fontes estão se tornando mais eficientes, por conta de novos materiais e novas tecnologias. Algumas alternativas são caras, enquanto existem soluções mais baratas, porém, se se esgotarem as fontes naturais de petróleo e gás, opções como o hidrogênio ficam mais baratas.

Segundo Newton Duarte, por ordem de grandeza, o valor nominal das fontes começa com a solar fotovoltaica, que é o mais baixo, seguido de hidrelétrica, biomassa, fósseis, gás natural, carvão, nuclear, etc. No entanto, o hidrogênio, com produção ainda onerosa, será “nossa segunda maior bateria do setor elétrico. A primeira é a hidrelétrica, que atende, hoje, 65% do consumo”, garante Duarte, lembrando a evolução que vem sendo percebida com o hidrogênio, com a possibilidade de produção e armazenagem no local de utilização, via energia eólica, por exemplo, além de seu potencial de transporte em gasodutos, misturado ao gás natural e de queima em motores a gás, entre outras aplicações.
 
 
Para Moana, o hidrogênio deve ser visto “mais como uma tecnologia de armazenagem de energia, do que qualquer outra coisa. Sua utilização se assemelha às baterias, mesmo porque não encontramos hidrogênio solto por aí, acessível, na natureza, apesar de ser o elemento mais abundante do universo. Ele é uma boa opção, por liberar muita energia, através da quebra de sua ligação molecular, utilizando pouco espaço de armazenamento".

A capacidade de armazenamento é um dos principais diferenciais do hidrogênio, assim como sua capacidade de ser combinado a outros elementos, e reconvertido a substância pura. Pode ser armazenado com potencial de geração em sua forma de substância pura e simples (H2 ) – que permite passar por processos de combustão ou geração, através de células metálicas – ou como substâncias compostas, como moléculas maiores, tipo hidrocarbonetos, que lhe possibilita passar por um processo de separação, para depois ser utilizado como H2 .
 
 
Venturelli, reforçando o conceito de eficiência energética, afirma que o desenvolvimento de atividades nessa disciplina é baseado em três pilares importantes: pessoas, processos e tecnologia. Destacando processos e tecnologia, para conseguir o almejado aumento da Eficiência Energética na Indústria, ele lista, entre as ações básicas, redimensionar sistemas de utilidades, utilizando equipamentos de alta eficiência; elaborar um plano de manutenção corretiva nas linhas, e plano de manutenção preventiva dos ativos; implantar sistema de medição de entrada de carga e medição do aproveitamento energético da utilidade.

Venturelli soma, ainda, o monitoramento de ativos; a análise do contrato de energia dentro da realidade da produção atual, além do aproveitamento luminoso, térmico e utilidades geral, para obter melhores alternativas de energia, implantando melhoria de controle na geração de energia, em função do controle; da digitalização do sistema de utilidades e da implantação de sistema de análise e de prescrição de dados.

Em todo esse processo de busca de eficiência energética e da evolução do conhecimento sobre as fontes renováveis e a aplicação dos conceitos de Indústria 4.0, a esperança está fundamentada em programas, estudos, indicadores e métricas, principalmente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE): “Há resultados que mostram que somos mais eficientes hoje do que há dez anos, e isso vai melhorar, por causa de novas tecnologias e pontos de consumo mais econômicos, afinal, teremos um aumento muito grande na necessidade de energia, e necessitaremos ser mais eficientes com o que temos na geração”.
 
 
Moana, por sua vez, lembra a baixa adesão à ISO 50.001 – norma que estabelece diretrizes de desempenho energético, disciplina que necessita integrar-se à estratégia do negócio –, o que é contrário à necessidade de redução de custos das empresas, afinal, a energia é uma das variáveis de maior peso no processo.

Exemplo de convergência de soluções de energia com aplicação dos preceitos e das tecnologias da Indústria 4.0, é descrito por Demóstenes, cuja empresa tem, em seu currículo, dois grandes projetos de hidrogênio. A novidade é um container plug and play para geração de energia elétrica em áreas remotas ou de difícil acesso, onde levar uma linha de transmissão seria inviável até por motivos vinculados à preservação ambiental.

“Desenhamos um produto para geração de 20 kW, que é a carga para um prédio de dez andares, atentos à realidade para mudar a matriz energética da indústria de grande porte, dependemos de centros de geração de energia limpa de grande porte, capazes de armazenar as energias sazonais, geradas pelos sistemas eólicos e solares fotovoltaicos, seja em baterias de lítio, seja utilizando o hidrogênio, como vetor de armazenagem”, afirma o presidente da Base Energia Sustentável.

No Brasil, foram incluídos estímulos a investimentos em energia limpa. Os biocombustíveis constituem a maior parcela, seguidos pelos investimentos em redes e fontes eólica e solar fotovoltaica. O investimento em eficiência das edificações tem sido baixo, apesar de ter um potencial de criação de empregos e de transição energética, similar aos investimentos em biocombustíveis e em energia solar fotovoltaica. Os investimentos em eficiência energética nas edificações e em outras áreas podem ser alavancados rapidamente, a partir de programas existentes, como Procel Edifica e o PEE. Investimentos em retrofits de edificações, novas construções eficientes, energia solar fotovoltaica e infraestrutura de transporte urbano, encabeçam a lista de itens com o maior potencial de criação de empregos. Ontem, quinta-feira, 8 de abril, a Empresa de Pesquisa Energética participou do lançamento do Programa de Transição Energética, iniciativa de cooperação com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI). O objetivo é desenvolver cenários para o Brasil, até 2060, identificando estratégias efetivas, para que o Brasil possa promover uma transição energética para a neutralidade de carbono.

Para o presidente da EPE, Thiago Barral, o Programa se destaca pelo seu caráter inovador, por ser iniciativa que promove parceria entre o setor público e o privado, com suporte da academia, e por se propor a fazer uso de cenários de longo prazo, a partir de uma perspectiva pragmática e, ao mesmo tempo, ambiciosa para o Brasil na transição energética.
 
Geração de hidrogênio é realidade em Furnas
Furnas deu início ao comissionamento da planta solar e eletrolisador, do projeto que desenvolve na Usina de Itumbiara (MG/GO) com foco no armazenamento de energia, a partir de diferentes fontes renováveis. Pela primeira vez, em 64 anos de atuação, a empresa produz hidrogênio em uma de suas instalações.
O sistema compreende a implantação de infraestrutura e ensaios, para obter e avaliar informações sobre tempos de resposta, qualidade e quantidade de energia armazenável e, como garante o engenheiro Jacinto Pimentel – do Centro Tecnológico de Engenharia Civil de Furnas, e coordenador técnico do projeto – coloca a empresa na vanguarda dos estudos de armazenamento de energia no país.
“O objetivo principal do projeto é estudar a inserção do armazenamento de energia no Sistema Interligado Nacional (SIN), buscando sinergia entre a geração hidroelétrica e o armazenamento de energia, além de otimizar instalações já consolidadas, e com infraestrutura instalada”, explica Pimentel, sinalizando que, desse modo, Furnas “busca respostas mais rápidas para o brusco aumento de carga no SIN, com o armazenamento de energia em baterias, além de aumentar a confiabilidade do sistema, com melhor regulação dos parâmetros elétricos”.
 
 
 
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