Revista Controle & Instrumentação – Edição nº 256 – 2020



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Como o ser humano vê a digitalização
 
 
 
 
O McKinsey Global Institute prevê que, até 2030, entre 400 e 800 milhões de empregos serão ressignificados pela inteligência artificial, no mundo. No mesmo período, entre 555 e 890 milhões de empregos serão criados pela inteligência artificial, mas esses novos empregos não serão criados por aqueles que não estiverem dispostos a se reinventar.

A digitalização tem alcance tão abrangente, que mexe, não somente nos processos produtivos, mas também nos modelos organizacionais, e nas formas como nos relacionamos. Uma boa parcela de preocupação está nos empregos – nos que vão desaparecer, nos que vão se adaptar e mudar, e nos que vão surgir. Mas, essa é uma discussão que acontece há anos, sem consenso. E fica muito na aquisição de habilidades para uma pessoa se continuar, ou se tornar “empregável”, sempre com ênfase nas tarefas, no conhecimento para realizá-las.

De qualquer forma, parece que o futuro do trabalho passa necessariamente pela capacidade humana de se associar de maneira flexível às novas tecnologias. E as empresas têm buscado tirar o máximo proveito dessa associação, aumentando sua eficiência, ao redesenhar os processos e negócios com tecnologias, como robôs, Inteligência Artificial, Aprendizado de Máquina/Machine Learning, Simuladores, veículos autônomos, e outras.

Os seres humanos precisam treinar “máquinas” para executar algumas tarefas; explicar os resultados dessas tarefas, principalmente quando os resultados são controversos; e de alguma forma manter esse processo sustentável, sem que essas máquinas ‘machuquem humanos’. A Cortana, assistente de IA da Microsoft, precisou de treinamento extensivo, para desenvolver uma personalidade confiante, atenciosa e prestativa, sem ser mandona, o que consumiu muitas horas de uma equipe, que incluía um poeta, um romancista e um dramaturgo. Treinadores humanos também estão na raiz das personalidades da Siri (Apple) e da Alexa (Amazon); a start up Koko (MIT) inclui compaixão no treinamento do seu assistente!

Assistentes à parte, à medida que a IA entrega conclusões através de processos pouco claros para os leigos (caixa preta), especialistas humanos são necessários para explicá-las, não apenas em setores baseados em evidências, como direito e medicina, mas também para que seguradoras e outros agentes consigam entender, por exemplo, porque um carro autônomo tomou decisões que levaram a um acidente.

O uso dessas tecnologias disruptivas é mandatório no cenário atual, e IA, Analytics, VR/AR, Robótica e Cloud Computing têm sido fundamentais no desenvolvimento e fabricação de novos produtos e serviços. As novas tecnologias de TIC (tecnologias de informação e comunicação) estão, de alguma forma, ligadas ao uso das tecnologias disruptivas, ou seja, é necessário fazer uso delas, para ter mais benefícios ao utilizar novas tecnologias, e um exemplo é o uso de VR/ AR (realidade virtual/realidade aumentada) em conjunto com 5G, ou mesmo Edge Computing.
 
“A Huawei facilita o acesso às novas tecnologias, com soluções próprias, ou por meio de parceiros e, também, trazendo as melhores práticas na combinação das tecnologias. E a escolha da tecnologia está diretamente relacionada com a sua aplicabilidade no projeto que será desenvolvido. Se ela for mais eficiente no aspecto operacional e financeiro, então se torna candidata ao uso. Aspectos como segurança, usabilidade, interoperabilidade e maturidade do ecossistema também são importantes na escolha. E, sempre que uma nova tecnologia é implementada, ela tende a ser replicada em todos os próximos projetos e, inclusive, pode vir a substituir sistemas já existentes”, afirma Julio Sgarbi, diretor de consultoria da Huawei Brasil.
 
Segundo estudo da Accenture de 2018, os “explicadores” serão parte integrante de indústrias reguladas. Um bom exemplo é o que acontece na União Europeia, por causa do Regulamento Geral de Proteção de Dados (GDPR), que garante aos consumidores o direito de receber uma explicação para qualquer decisão baseada em algoritmo – só aí serão necessários cerca de 75 mil especialistas, sem contar o pessoal de TI responsável por manter os sistemas de IA funcionando, de maneira segura e adequada.

Essas Inteligências Artificiais treinadas, as que chamamos de assistentes, existem como entidades digitais, mas, em outras aplicações, a IA é incorporada a um robô, que pode reconhecer pessoas e objetos, e consegue trabalhar ao lado de seres humanos – o que gerou inclusive uma revisão nas normas, que antes estipulavam uma separação física ou parada de ação do robô com a proximidade de qualquer pessoa: os cobots são inteligentes e sensíveis ao contexto, tanto que a Hyundai estendeu o conceito cobot para exoesqueletos, dispositivos robóticos que se adaptam ao usuário e localização, em tempo real, dando aos trabalhadores resistência e força sobre-humanos.

Não só os robôs, uma ‘nova’ tecnologia vem ganhando cada vez mais espaço na indústria: a impressão 3D. A Nissan do Brasil – Nissan Intelligent Mobility – passou a utilizar, no Complexo Industrial de Resende, uma impressora 3D, para produzir peças com o objetivo de aumentar a produtividade, e trazer mais segurança e economia à linha de montagem.
 
“Estamos atentos às novas tecnologias disponíveis no mercado, e temos trabalhado para trazer cada vez mais equipamentos, que contribuam com a modernização dos nossos processos, além de darem mais autonomia às nossas equipes. A impressora 3D, por exemplo, possibilita a customização de peças para as necessidades específicas das áreas”, comentou Marco Biancolini, diretor geral do Complexo Industrial da Nissan, em Resende/RJ, pioneira na utilização da tecnologia, e unidade que conta com 97 robôs e 167 AGVs (Automatic Guided Vehicles), veículos guiados automaticamente, responsáveis por otimizar o tempo de produção, facilitando o processo e o transporte dos carros na linha. A unidade de Resende também implementou o uso de drones para a elaboração dos inventários, reduzindo o tempo gasto na atividade – de três dias para horas –, além de garantir maior confiabilidade às informações. O sistema identifica a área dos pátios para a parametrização do voo do drone, em toda a extensão necessária; depois, o software e o drone são configurados para realizar a sobreposição de fotos, o que resulta em mais qualidade de imagens; por fim, o equipamento sobrevoa toda a área, capturando as imagens e gerando mapas em formato 2D e 3D dos pátios, possibilitando a identificação dos diferentes modelos e cores.
 
 
A Realidade Virtual se mostrou mais próxima das soluções para o dia-a-dia nos óculos de realidade virtual, que a Siemens implementou em atividades das áreas de Smart Infrastructure e Digital Industries, junto a clientes e parceiros, em tempos de pandemia: o dispositivo, acoplado a um capacete, transmite imagens em tempo real, por meio de uma plataforma conectada a qualquer rede de internet 4G, cujas atividades dentro das fábricas da Siemens podem ser visualizadas por clientes e parceiros, em seus computadores ou tablets, sem a necessidade de sair de seus escritórios. Com essa adaptação, ao invés de ir até a unidade da Siemens, o cliente pode ver todo o funcionamento de um painel de distribuição de energia elétrica da sua planta, sem sair do seu escritório, facilitando a comunicação, agilizando as atividades e reduzindo os custos.
 
 
Nesse mesmo contexto, a área de engenharia de telecomunicação desenvolveu uma solução para teste remoto em fábrica, criando uma ferramenta que funciona por meio de duas câmeras físicas, que fazem a filmagem dos testes em tempo integral, um celular como câmera móvel para detalhes do painel e, por fim, o compartilhamento da tela de configuração do especialista da Siemens, que está operando os testes de maneira remota. O equipamento também é oferecido aos parceiros, para transmitir imagens em tempo real para realizar serviços de Manutenção Assistida. Interessante é que, além dos óculos, a transmissão de imagens também pode ser realizada por meio de dispositivos, como smartphones, tablets e laptops, e o serviço demanda apenas conexão a uma rede de internet (3G, 4G ou wi-fi). Entretanto, a utilização dos óculos se diferencia por oferecer melhor qualidade de imagem, evitar ruídos na comunicação, e possibilitar comandos por voz. E agregar um certo status de utilizar a novidade.

É indiscutível que as novas tecnologias agilizam e tornam mais seguras muitas atividades, mas, apesar disso, elas ainda geram alguma desconfiança, quanto ao seu impacto no ser humano, e no que tange à redução de postos de trabalho. Em uma edição do Microsoft AI+ Tour, foi discutido como o mercado de trabalho reagiria se, nos próximos dez anos, todas as tecnologias de IA existentes fossem implementadas. Foi unânime o posicionamento de que, para tirar proveito dos benefícios que a IA traz, é imperativo ter mão-de-obra capacitada e treinada. A partir daí, a primeira ação seria a requalificação de trabalhadores existentes, e a formação de novos, através de uma ação governamental, afinal, todas as indústrias teriam ganhos significativos, e isso se traduziria em melhores salários, e melhor retorno para o próprio Governo.
 
 
Treinamento, estudo, novas habilidades... isso foca sempre no que o fator humano tem de fazer para lidar com as novas tecnologias. Mas, como esse fator humano, esse técnico, essa pessoa, se sente é um viés ainda pouco discutido. O treinamento de operadores de robôs deve promover melhor desempenho, em equipes que trabalham com esse novo elemento, mas nem sempre isso resulta em melhor desempenho. Um estudo fez uma análise preliminar do porquê, examinando dois estados psicológicos de uso: controle e curiosidade. Esse estudo experimental envolvia 30 equipes, de dois humanos e dois robôs, empregando robôs, e os resultados mostraram que o treinamento minimizou os impactos negativos da curiosidade, e aumentou os impactos positivos do controle nas tarefas que envolvem o uso de um robô. Mostrou que o treinamento teve consequências diferentes no desempenho do indivíduo e da equipe, dependendo do nível de curiosidade e de controle – o que sugeriu aos pesquisadores que o impacto do treinamento pode ser alterado pelos estados psicológicos dos indivíduos.

E existem dois estados psicológicos, associados ao treinamento e ao desempenho: exploração e explotação. A exploração, no que diz respeito ao uso da tecnologia, é frequentemente associada à curiosidade – que pode levar os indivíduos a brincar com a tecnologia e descobrir novos recursos. A explotação é frequentemente associada ao controle. A equipe de pesquisadores descobriu que curiosidade e controle têm relação oposta em relação ao desempenho: a curiosidade diminui o desempenho no curto prazo, enquanto o controle aumenta o desempenho no curto prazo. Mas, os dois fatores psicológicos são essenciais para entender quando o treinamento é mais ou menos eficaz no aumento do desempenho.

Para Aaron Dignan – fundador da consultoria TheReady, e da responsive.org, o desempenho é o “resultado da conformidade, então, se conseguirmos que todos façam exatamente o que dizemos, alcançaremos nossos objetivos, mas isso se traduz em uma cultura enterrada em restrições”. Segundo Dignan, “líderes conscientes da complexidade veem o desempenho como resultado da inteligência coletiva, emergência e auto regulação. Se conseguirmos criar as condições certas, todos encontrarão maneiras de alcançar nossos objetivos. Isso se traduz em uma cultura que se torna coerente e livre, ao permitir restrições – acordos que criam liberdade para usar julgamento e interação na maioria das situações”.

Um bom exemplo é a Braskem, que desenvolveu um plano para aplicação de tecnologias digitais avançadas à transformação de áreas estratégicas das suas operações e processos de negócios, melhorando o desempenho e redesenhando as suas operações. De análise avançada até automação, inteligência artificial e aplicações em IoT, essas tecnologias de ponta permitem que a Braskem atue com mais eficiência e sustentabilidade, antecipando e suprindo as necessidades de seus clientes, e produzindo produtos químicos e soluções plásticas que melhoram a vida das pessoas.
 
“A tecnologia que tem mostrado maior potencial é o uso de inteligência artificial ou aprendizado de máquina, para melhorar nossa tomada de decisão e operações. Hoje, aplicamos aprendizado de máquina (Machine Learning) para apoiar diversas partes do nosso negócio, como garantir a alta qualidade de nossos produtos, operar em nossos melhores níveis de desempenho, minimizar problemas de equipamento, projetar nossa demanda de vendas, e otimizar nosso inventário de peças para manutenção de nossos equipamentos”, conta Guilherme Baeta, chief digital officer da Braskem.
 
Um caso interessante é a iniciativa de Manutenção Preditiva Digital: os integrantes mapearam os ativos da Braskem na Alemanha, no México, no Brasil e nos EUA, e analisaram as falhas nos equipamentos, nos últimos três anos, para criar uma lista de 7.000 itens de equipamentos, que poderiam ser monitorados com ferramentas digitais. A partir desta lista, foram estabelecidas prioridades, relacionadas à incorporação de tecnologias digitais. Seis tipos de equipamentos foram selecionados para o projeto piloto, que foi implementado na planta de Triunfo, Rio Grande do Sul. O monitoramento constante destas famílias de equipamentos tem permitido um prévio e eficiente planejamento de reparos e demais intervenções necessárias, como limpezas e substituições de equipamentos. O resultado: menos tempo ocioso imprevisto, e menor custo de manutenção.

“Enxergamos tecnologia como uma ferramenta para resolver um problema real de negócio. Uma inciativa de sucesso parte, sempre, do levantamento das dores de negócio para evoluir uma visão de solução. No final, discutimos sobre qual a tecnologia mais adequada para alcançar esta visão. Muitas vezes, uma solução simples é mais adequada para resolver um grande problema, do que uma complexa. No caso da Braskem, uma quantidade enorme de dados é gerada diariamente. Esta rica informação pode ser usada para melhorar nossa operação e, por isso, acreditamos muito no valor que pode ser gerado através de dados”, afirma Baeta, que ressalta que novas tecnologias são empolgantes, mas as pessoas são fundamentais para o sucesso da transformação Digital.

“Nossos integrantes têm oportunidade de se envolver nas iniciativas digitais, sugerindo ideias ou colocando a mão na massa. Para isso, nosso Centro Digital está dedicado a garantir que todos na Braskem adquiram habilidades digitais, a partir de treinamentos e experiências práticas. Dentre eles, estão conhecimento de técnicas de Design para entendimento dos problemas e usuário, métodos ágeis, coordenação de squads multidisciplinares, e competências técnicas, como ciência de dados para execução das soluções. Muito importante também foi nosso investimento em Change Management, para apoiar o processo de mudança decorrente da implementação das iniciativas, monitorar experiência do usuário, adoção e ganhos obtidos. Além disto, investimos em um programa de treinamento e comunicação amplo, para espalhar conhecimento e fomentar a cultura digital em nossos integrantes”.

E Baeta reconhece que capacitação é essencial, porque estas iniciativas são complexas e necessitam de um profundo conhecimento de negócio. Este conhecimento é muito mais difícil de ser ensinado do que as competências em tecnologia e, uma vez que o especialista de negócio passa a entender tecnologia, a velocidade de implementação e valor extraído se torna exponencial. No caso de inteligência artificial ou aprendizado de máquina, o conhecimento de negócio é essencial, para que a máquina “aprenda” o conhecimento certo e da forma certa. Uma vez que a máquina aprende, ela sugere uma nova forma de fazer que pode ser novamente interpretada pelo usuário para melhorar suas decisões – o ‘Aprendizado de Máquina’ envolve, tanto ensinar a máquina, como aprender com a ela, e uma mão-de-obra capacitada é essencial para extrair o valor destas aplicações. Outro motivo importante da capacitação da mãode- obra é que, uma vez implementadas, estas iniciativas mudam as competências necessárias para operar o negócio. O Controle de Qualidade, por exemplo, tem de migrar, do entendimento dos testes de laboratório, para o entendimento dos dados que levarão à predição de qualidade, e o mesmo vale para o mantenedor de ativos do futuro, após manutenção preditiva ou o planejado de demanda, depois de um modelo de projeção de demanda com analítica. Além da capacitação técnica, profissionais que têm experiência em projetos digitais aprendem métodos para lidar com complexidade e incerteza, e trabalhar de forma mais ágil e multidisciplinar – a partir disto, conseguem destravar valor à empresa, em seu dia-dia.

“Parceiros são essenciais nesta jornada, para aumentar a capacidade do time, tanto fazendo a ponte com os programas de treinamento, para que tenham a abrangência e tempo necessário, como complementando competências da companhia. Existe muito conhecimento fora da empresa, que pode solucionar os mais diversos problemas internos, e ter acesso a este conhecimento e profissionais é essencial, através de parcerias estratégicas. O mais importante é sempre tratar os parceiros e fornecedores como parte do time, para criar um ambiente colaborativo e de alta performance, propiciando as melhores soluções para os problemas propostos”, pontua Baeta.

Sgarbi lembra que essas tecnologias terão seu uso massificado nos próximos anos, não somente em aplicações fabris, mas também em múltiplas verticais – inclusive no dia-a-dia das pessoas. Então, é bom ter em mente algumas dicas da Braskem: a capacidade de se adaptar será chave para não ficar de fora do mercado; a nova visão é permitir aos colaboradores definirem seu trabalho de acordo com suas capacidades e relacionamentos, e determinar seus próprios caminhos não lineares de carreira, sem pensar em “cargos de trabalho” ou títulos – e aqui já fica claro que nem todas as empresas pensam assim, ainda; continua valendo a proatividade em buscar novas competências, e descobrir o que você gosta de fazer, até para estar aberto a novas oportunidades. Não caia no erro de achar que Transformação Digital é apenas um chavão que vai passar, ou que isso “não é para mim”. Preveja as mudanças, aceite-as e procure as vantagens nisso.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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