Revista Controle & Instrumentação – Edição nº 244 – 2019



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Indústria Química 4.0
 
 
 
 
As mudanças trazidas pela 4ª Revolução Industrial vêm causando impactos em todos os segmentos de negócios, em todo o mundo, com maior ou menor velocidade, mas sempre com forte intensidade. Desde a adoção de equipamentos, como drones, passando pelo uso intensivo de software, e alcançando até os modelos de negócios, a Indústria 4.0 traz possibilidades e desafios inimagináveis, até há poucos anos atrás.

O Projeto Indústria 2027 – Oportunidades para o Brasil diante de inovações disruptivas – avaliou os impactos de oito tecnologias-chave, que chamou de clusters tecnológicos, sobre dez segmentos industriais no país, bem como a capacidade desses segmentos de aproveitar as oportunidades e superar os riscos inerentes a essas tecnologias.

Ocupando a ponta inicial da cadeia produtiva de dezenas de outras indústrias, o segmento químico e petroquímico vem fazendo sua jornada, rumo à Indústria 4.0, e foi um dos setores contemplados nesse Projeto, de iniciativa da CNI – Confederação Nacional da Indústria –, coordenado pelo Instituto Euvaldo Lodi, e executado pela UFRJ e Unicamp.
 
 
Segundo o relatório final do Projeto, as tecnologias digitais afetarão diferentemente a produção e os modelos de negócio da indústria química e da bioeconomia: “A petroquímica, com produtos essencialmente commodities e pseudo-commodities, terá otimização e redução de custos, assim como a indústria de química fina. Já os defensivos e demais especialidades, além de se beneficiarem com os ganhos de eficiência, poderão encontrar oportunidades de inovação em seus modelos de negócio, em particular, com o aprofundamento da dimensão de serviços. Devese, porém, considerar que, na petroquímica, as transformações poderão ser mais amplas do que um simples ganho de eficiência operacional.
 
 
 
As transformações nos segmentos a jusante da cadeia produtiva, como o de transformação de plásticos, e nos mercados finais, como automóveis e embalagens, poderão ser disruptivas para a indústria. No que se refere à bioeconomia, o ponto de partida é o interesse crescente por tecnologias que levem ao desenvolvimento de uma economia de baixo carbono. A exploração industrial da biomassa para a produção de biocombustíveis, produtos químicos, materiais e energia se inscreve nesse processo de transição. As vantagens comparativas brasileiras são expressivas, mas dependem dos esforços tecnológicos e empresariais, para se tornarem competitivas e darem ao país uma posição de destaque na indústria biobase do futuro. Isso colocaria o país numa potencial posição de protagonismo na bioeconomia, enquanto, na indústria química, o alvo seria principalmente o emparelhamento competitivo”, aponta o relatório final.

Realidade
 
 
Uma boa parte do que o estudo traz já está sendo vivenciada, principalmente pelas grandes empresas do setor. Fernando Tibau, gerente de Inovação e Assuntos Regulatórios da Abiquim – Associação Brasileira da Indústria Química –, explica que a entidade tem trabalhado para identificar o nível de maturidade de seus associados na aplicação dessas tecnologias, porém, tem esbarrado na heterogeneidade das empresas do setor. “Há companhias, como Basf, Deten e Ecolab, com um alto nível de maturidade tecnológica, e outras empresas, que sequer ouviram falar em indústria 4.0”, destaca. E ele cita o Projeto Indústria 2027 para trazer um dado, no mínimo, preocupante: “Das cerca de 750 respostas válidas, apenas 1,5% das empresas se declararam usuárias dessas tecnologias.” Por outro lado, o cargo de Chief Digital Officer já é uma realidade em algumas empresas. Ou seja: o cenário atual é de grandes discrepâncias entre as químicas.
 
Esta constatação é ratificada por Eduardo Chicon, coordenador do Grupo de Trabalho de Manutenção do Comitê de Fomento Industrial do Polo do Grande ABC (COFIP ABC), segundo o qual, “de maneira geral, as novas tecnologias digitais já vêm sendo utilizadas nas indústrias do Polo Petroquímico do ABC. No entanto, ainda há uma variação do avanço de implantação, de acordo com o grau de complexidade do processo produtivo e o tamanho da empresa”. Além disso, Chicon destaca a grande diversidade de tecnologias: “Há plantas, no Polo, que implantaram, por exemplo, sistemas avançados de controle do processo produtivo, que não requerem ação humana. Existem, ainda, projetos voltados ao gerenciamento de estoques cliente x fornecedor, de forma on-line, e outros voltados à utilização de realidade virtual, para treinamentos de segurança de operadores em campo. No grupo de trabalho de Manutenção do Cofip, temos disseminado técnicas de inspeção, com tecnologia de detecção de vazamentos, análise de integridade de equipamentos, com tecnologia de inspeção robotizada, e mapeamento de tubulações de planta, com tecnologia de varredura em campo. Softwares de gerenciamento de ativos, com foco no monitoramento on-line da condição do ativo, também têm despertado bastante interesse entre as empresas associadas”, detalha Chicon. Segundo ele, o grande desafio no processo de implantação das novas tecnologias é encontrar as que possam efetivamente ser adotadas, de acordo com a realidade e objetivo de cada empresa. “Não adianta aplicar uma série de inovações, sem estabelecer um propósito claro de sua utilização. É preciso integrar as necessidades da empresa com as possibilidades tecnológicas e os requisitos para o sucesso empresarial”, opina.
 
Emiliano Graziano, gerente de Sustentabilidade para América do Sul da Basf, afirma que as novas tecnologias já vêm agregando ganhos expressivos à empresa, e exemplifica com o uso de drones em uma parte da inspeção de segurança de tanques, na unidade fabril de Camaçari (Bahia). “O benefício imediato é a redução de risco, mas o uso de drone também agiliza e reduz os custos desse processo, além de permitir a visualização segura de locais de difícil acesso”, diz. Outro benefício proporcionado pelas novas tecnologias é a capacidade de simular reações químicas complexas no supercomputador da Basf, o Quriosity.
“Ele possibilita fazer virtualmente testes, sem as reações em laboratório, o que tem diversos benefícios, como economia de recursos naturais e redução de logística, entre outros. E o fato de estar fisicamente na Alemanha não impede que o Quriosity seja colocado a serviço de entidades, como a USP, por exemplo, por meio de termos de cooperação”, explica Graziano.
 
 
A computação e a digitalização não estão apenas no desenvolvimento de produtos; são aliadas preciosas também na hora de reformar, expandir e erguer novas plantas. A planta Delta, que a Braskem está construindo no Texas, nos EUA, está sendo levantada com a ajuda de Digital Twins – modelos virtuais de ativos físicos ou processos industriais que aprendem e fornecem dados continuamente.
 
“Também temos modelos que ajudam a prever demandas dos clientes, usamos robôs nas áreas industrial e de teste de produtos, usamos Inteligência Artificial para manutenção produtiva e no controle de qualidade produtivo e, com Machine Learning, temos previsão de quando um ativo pode quebrar ou reduzir performance, e também no controle de qualidade, que prevê a qualidade do produto fabricado”, conta Fabio Buckeridge, responsável por Digital da Braskem.
 
Drones também já são usados pela Braskem, tanto no Brasil como nos EUA, para acessar locais remotos dentro da planta, inspecionar corrosão e ativos com difícil acesso, tirar fotos e fazer filmagens.

Modelos de negócios

A quarta revolução industrial ultrapassa os limites de produtos e processos, de hardware e software. Ela alcança a forma de trabalhar de profissionais de diversas áreas – senão de todas – e atribui um valor crescente aos serviços. “Temos novos modelos de negócios, baseados totalmente em modelos digitais, que já estão em operação e sendo testados com clientes, tanto no core business, como em áreas relacionadas. Estamos bem avançados em termos de tecnologia própria, e também de toda a nossa cadeia”, avalia o executivo da Braskem. Ele destaca a plataforma digital Edge Portal, onde os clientes podem visualizar, comprar e rastrear os produtos. “Os clientes já estão utilizando, isso aumenta significativamente as operações realizadas e reduz processos internos”. Tibau, da Abiquim, lembra que a base do setor químico é tecnologia: “Uma planta química já é automatizada, e o que está vindo agora é a obtenção de inteligência. Podemos ter ganho de produtividade com manutenção preditiva, por exemplo, ou em outras etapas entre cliente e fornecedor, com quem compartilhamos informações para acelerar o processo de recebimento de insumos, e para criar um novo modelo de negócios, agregando serviços e envolvendo toda a cadeia”.
 
Para a Basf, auxiliar os clientes na jornada rumo à Indústria 4.0 é parte da estratégia global de negócios da empresa, conforme explica Fabiano Sant’Ana, head Digital para América do Sul: “Temos usado Inteligência Artificial para identificar novos produtos que os clientes podem desenvolver, para que a Basf seja fornecedora. Já temos resultados significativos, na América do Sul e no Brasil”, afirma.
 
A empresa inaugurou, em São Paulo, no final de março, um centro de experiências científicas e digitais, chamado de Onono. “Nesse espaço, aberto a todos, temos as mais modernas tecnologias integradas: machine learning, inteligência artificial, IoT, porém, não é o espaço em si que gera valor. É a diversidade das pessoas que interagem nele”, explica Sant’Ana. “É uma plataforma que serve como base de aceleração de transformação cultural. Quanto mais gente e maior diversidade, maior o potencial de geração de valor. Sempre buscando na prática a melhoria da experiência do cliente, seja para agilizar um processo interno, seja pra ajudá-lo a identificar novas oportunidades de mercado”, detalha.


Tanto a sustentabilidade, quanto as novas tecnologias, impactam no modelo de negócios das companhias. O projeto Chemcycling, da Basf, reúne ambas. Stefan Gräter, chefe do projeto, vê um grande potencial: “Essa nova forma de reciclagem oferece oportunidades para modelos de negócios, inovadores para nós e para nossos clientes. O projeto de reciclagem química permite o uso de resíduos plásticos, que não são atualmente reciclados, como plásticos misturados ou contaminados, para para produzir gás de síntese ou óleo de pirólise. As matériasprimas recicladas resultantes podem ser usadas como insumos na produção, substituindo parcialmente os recursos fósseis”.

Fernando Tibau, da Abiquim, faz questão de ressaltar que “o setor químico olha muito a questão da saúde e meio ambiente e não é de hoje”. Nesse sentido, ele lembra que o Programa Atuação Responsável data da década de 1990, e que as tecnologias da Indústria 4.0 vão trazer uma evolução muito grande a esta questões. Uma tecnologia chamada de intensificação de processo, com a miniaturização de uma planta, usando mais reatores menores, em vez de um grande, já é objeto de pesquisa na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), na Escola Brasileira de Química Verde.



A sinergia entre as empresas do Polo do Grande ABC, em torno da Indústria 4.0, também já proporcionou avanços, no que diz respeito à saúde, segurança e meio ambiente. “Os planos de Auxílio Mútuo (PAM), de Contingência do Polo (PCP), e de Emergência para a Comunidade (PEC) têm abordado diferentes aspectos voltados a novas tecnologias para combate a incêndio, meios de comunicação, novos tipos de alarmes, novos equipamentos de proteção individual e coletiva, máquinas automáticas para armazenamento e entrega de EPI, sistemas de controle avançados de monitoramentos de emissões atmosféricas, entre outros”, afirma Eduardo Chicon, do Cofip.


A Brasken usa IoT para, entre outras coisas, “fazer track & trace de ativos e também de pessoas, via cartão de entrada do integrante na planta, e o principal benefício é relacionado à segurança, pois, conseguimos saber se a pessoa caiu ou desmaiou (caso tenha ficado parada muito tempo em um determinado lugar), e o sistema já aciona a emergência”, explica Fabio Buckeridge.

Em termos de tecnologia, a empresa atua em várias frentes, uma delas em parceria com a Made In Space, norte-americana desenvolvedora de impressoras 3D para operação em gravidade zero, e fornecedora da NASA, está participando da primeira operação comercial de reciclagem de plástico na história das missões espaciais. Uma máquina recicladora, com sistema de moagem e extrusão de plásticos, produz um filamento adequado à impressora 3D, que já se encontra instalada na Estação Espacial Internacional. Com acesso à recicladora, os astronautas poderão reutilizar, em outras funções, as ferramentas e peças de Polietileno Verde, fabricadas anteriormente na impressora 3D, além de outros materiais plásticos já existentes na ISS e sem uso, como embalagens de alimentos.
 
“Nossa proposta é fechar o ciclo do plástico com sustentabilidade, desde a produção do Polietileno Verde a partir da cana-de-açúcar, até a reciclagem do polímero para novos fins”, afirma Patrick Teyssonneyre, diretor de Inovação e Tecnologia da Braskem.
 
A quarta revolução industrial já provocou diversas e profundas mudanças no ambiente de produção e na forma de fazer negócios da indústria química brasileira. Mas, muito ainda está por vir. “Podemos sair dessa revolução melhor preparados para competir com players globais nas cadeias de valor”, prevê Fernando Tibau, da Abiquim.
 
Estudo da consultoria McKinsey, de 2017, aponta a Produção como sendo a área industrial com mais espaço e facilidade para ganhos, estimados em incremento de 3% a 5% no retorno das vendas. A exploração do grande volume de dados gerados pode melhorar o rendimento das reações, reduzir o consumo de energia, favorecer a manutenção preditiva e aprimorar os processos de gestão de HSE (Saúde, Segurança e Meio Ambiente). Ainda segundo a McKinsey, em Marketing/Vendas, a indústria química pode obter ganhos de 2% a 5% no retorno das vendas com a adoção de decisões baseadas em dados digitais e utilização de plataformas eletrônicas de vendas. Já a área de P&D pode se beneficiar do uso de analytics e machine learning para simular experimentos, ganhando tempo e reduzindo custos de melhores escolhas. (fonte: Relatório Indústria 2027)
 
 
 
 
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