Revista Controle & Instrumentação – Edição nº 185 – 2013



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Modernidade

 

Marcos Mendes: modernizações podem contribuir para o atendimento da demanda máxima

O parque de geração de energia elétrica brasileiro tem sistemas de automação seguros, entretanto, as maiores instalações são antigas. Os grandes investimentos no setor elétrico aconteceram há 30, 40 anos. Assim, várias usinas hidrelétricas têm sistemas com até 30 anos de operação, já que as instalações foram feitas para durar. No caso da Usina Hidrelétrica de Itaipu, por exemplo, a primeira unidade geradora é dos anos 80. Há alguns anos a Itaipu e outras empresas do setor elétrico vêm se modernizando uma vez que, no geral, estavam com automação nativa. Alguns sistemas começam agora a ficar obsoletos e surgem dificuldades para encontrar peças de reposição: é a deixa para que os sistemas sejam modernizados. "A obsolescência pode impor restrições operativas limitando a capacidade de geração, transmissão e distribuição e também reduzir a disponibilidade do sistema. Uma forma de eliminar a obsolescência é a modernização (ou atualização tecnológica), que restaura ou melhora a confiabilidade e outros indicadores de qualidade.

De modo geral, as modernizações proporcionam facilidades para os operadores desempenharem suas atividades de modo eficiente e seguro e também ferramentas de suporte às atividades de manutenção. Além disso, as modernizações podem contribuir para o atendimento da demanda máxima de energia, permitindo trabalhar mais próximo dos limites operacionais nos horários de ponta. Assim, as modernizações dos sistemas de automação obsoletos podem evitar blecautes, que têm consequências incomensuráveis para o país. Várias empresas já perceberam que os benefícios das modernizações são relevantes e que elas são economicamente justificáveis", comenta o engenheiro eletricista Marcos Fonseca Mendes (UFMG) – que tem mestrado na área de Controle e Automação pela UFSC e doutorado em Sistemas de Potência pela USP, é professor da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), coordenador do curso de Engenharia Elétrica da Faculdade Dinâmica das Cataratas (UDC) e engenheiro da Itaipu Binacional. Além disso, Marcos Mendes é membro do IEC, IEEE/PES, Cigré, ABNT e Abenge.

Ele elaborou uma pesquisa sobre a modernização necessária do setor que mostrou que, apesar de vários sistemas serem de décadas atrás, eles são muito bem mantidos. Entretanto, alguns já mostram sinais de obsolescência – principal motivo para modernização segundo a pesquisa, seguido pelas dificuldades e alto custo de manutenção. A pesquisa de Marcos Mendes focou nas unidades geradoras (conjunto formado pela turbina, gerador e auxiliares) de usinas hidrelétricas. "A operação das unidades geradoras de usinas hidrelétricas é totalmente automatizada. Os sistemas de automação, controle e proteção podem tomar decisões e realizar ações, como a parada de uma unidade geradora, sem intervenção humana – para proteger os equipamentos, por exemplo. Para se ter uma ideia, a sequência de partida de uma unidade geradora envolve muitas operações (em diversas etapas) e pode ser feita automaticamente, bastando que o operador dispare o processo", diz Marcos Mendes.

Os sistemas de automação de usinas são muito bem mantidos, mas chega um momento em que há dificuldades para se obter peças sobressalentes. Considerando que os equipamentos eletromecânicos têm um tempo de vida maior que o sistema de automação, pode acontecer que os equipamentos ainda estão na vida útil, mas os sistemas de automação já estão no fim. Note que, a instrumentação está atrelada aos equipamentos eletromecânicos e muitas vezes é mantida por mais tempo também. Outro exemplo interessante de convivência de tecnologias é o complexo de Paulo Afonso da Chesf, composto por cinco usinas. Elas envolvem tecnologias desde a década de 1950 até tecnologias mais recentes. "O complexo de Paulo Afonso é a história viva da automação elétrica no Brasil", comenta Marcos Mendes. Segundo o engenheiro, em Itaipu – e isso é geral no setor – existem programas rigorosos de manutenções periódicas para os equipamentos e sistemas, que em alguns casos também podem ter o acompanhado de perto dos fabricantes, mesmo depois de décadas. O fornecedor das primeiras turbinas de Itaipu, por exemplo, foi a Mecânica Pesada – hoje Alstom – empresa que também forneceu as últimas duas turbinas para as unidades geradoras que entraram em operação em 2006/2007. As unidades geradoras mais novas trazem automação completamente diferente das primeiras.

A automação antiga, classificada como convencional, usa dispositivos eletromecânicos (um relé eletromecânico tem partes elétricas e partes mecânicas móveis); os mais novos utilizam dispositivos digitais, os Intelligent Electronic Devices – IEDs; nas novas unidades geradoras de Itaipu, a rigor, os dispositivos ainda não são os IEDs, mas a tecnologia usada também é digital. Em algumas modernizações pontuais da usina de Itaipu (e em ampliações) já estão sendo utilizados os modernos IEDs. Qualquer processo de modernização no setor elétrico é complexo porque, além da Engenharia, envolve paradas de equipamentos – o que pode reduzir a energia disponível e aumentar os riscos já que é um setor-chave para o dia-a-dia; é prioridade no setor minimizar o impacto para a sociedade e cumprir os contratos de fornecimento. Portanto, qualquer modernização precisa se enquadrar nesse cenário e ser realizável preferencialmente em um curto intervalo de tempo. Nas mais recentes atualizações tecnológicas do setor, ocorridas nos últimos cinco anos, de forma geral não foram modernizados os instrumentos das unidades geradoras.

Da mesma forma que nas indústrias de processo, a instrumentação no setor elétrico é onde os sistemas buscam as informações. Então, a saída foi "virtualizar" a instrumentação com mais inteligência na camada imediatamente superior. Mas como lembra Marcos Mendes, podem existir casos que justifiquem trocar os instrumentos. Nas últimas modernizações realizadas no Brasil, o foco foi a substituição dos dispositivos dos "sistemas secundários". Além da automação, eles incluem os sistemas de supervisão, controle e proteção. Esses sistemas evoluíram muito nas últimas duas décadas. Os primeiros sistemas eram eletromecânicos interligados por fios de cobre e os atuais são totalmente digitais com redes de comunicação usando fibras ópticas. Assim, o grau do processo de modernização depende, dentre outras coisas, do nível tecnológico do sistema que será atualizado. Podem ir desde a substituição completa dos dispositivos (substituição de relés eletromecânicos por IEDs) até atualizações de software e troca de equipamentos computacionais (servidores e estações de trabalho). "As modernizações não são uniformes porque as concessionárias têm especificidades: instalações e equipamentos eletromecânicos diferentes e filosofias de manutenção e de operação distintas, por exemplo. Também há casos nos quais dispositivos legados devem ser mantidos, limitando a modernização. Além disso, em muitas concessionárias esse tipo de atividade é feita através de licitações, que impedem especificações direcionadas (particularizadas) para não restringir a concorrência pública. E ainda, nem tudo que está na norma IEC 61850 (Communication Networks and Systems for Power Utility Automation) está disponível no mercado", ressalta Marcos Mendes. Com relação à norma IEC 61850, o professor afirma que ela é muito importante.

"A norma padroniza a modelagem – representação dos equipamentos e dispositivos de usinas e subestações – e os serviços, como a comunicação de dados. Assim, aplicando a norma, os dispositivos dos sistemas de automação têm interfaces comuns e podem se tornar interoperáveis, ou seja, os dispositivos – que podem ser de diferentes fabricantes – são compatíveis entre si, tendo capacidade para trocar dados e usá-los em conjunto. Isso facilita a criação de soluções uniformes para os sistemas de automação elétrica, incluindo supervisão, controle e proteção. Por outro lado, a IEC 61850 é um pouco complexa e trata-se de uma novidade para o setor elétrico. Novas tecnologias demandam esforços para entendê- las, coloca-las no mercado e começar a utilizá-las, mas depois vêm os benefícios". "Ainda que a norma IEC 61850 não seja obrigatória, ela é uma tendência mundial e pode trazer benefícios para os fabricantes e, no meu ponto de vista, principalmente para os usuários, as concessionárias. Assim, a adoção da IEC 61850 para modernizações e em novas instalações será natural", pontua o professor. De fato, a norma IEC 61850 tem norteado as modernizações, principalmente de subestações. Entretanto, o mercado carece de dispositivos e ferramentas de software aderentes à norma. Atualmente, ainda não é possível modernizar utilizando todos os recursos estabelecidos na IEC 61850.

O desenvolvimento apresentado na teoria dos sistemas modernos não está completamente disponível no mercado, mas é natural levar um tempo para isso. "É importante deixar claro que não existe uma norma alternativa à IEC 61850. "Ela é o resultado do trabalho conjunto de entidades normativas, fabricantes e concessionárias para a padronização e desenvolvimento de sistemas de automação elétrica. A IEC 61850 é uma evolução de ideias e aplicações de novas tecnologias no setor elétrico, que continua se expandindo". Segundo a pesquisa de Marcos Mendes, os sistemas modernizados são, em geral, digitais, com arquitetura distribuída, não aderentes a IEC 61850 e com sistema Scada – Supervisory Control and Data Acquisition – em paralelo. Em Itaipu, por exemplo, que tem sistemas de automação com tecnologia antiga, há 10 anos foi instalado o Scada "em paralelo" ao sistema existente.

O Scada faz a aquisição dos dados do sistema original e também envia comandos através desse sistema. Hoje, a operação normal da usina é através do Scada, mas se por acaso Itaipu quisesse ou precisasse desligar o Scada, o sistema antigo continua funcionando perfeitamente, como se fosse um backup. Bom esclarecer que o setor tem a redundância como máxima e que o sistema central convencional de Itaipu também tem seu sistema redundante, sendo o Scada um terceiro, uma modernização em paralelo ao sistema convencional. Além disso, por segurança, o pessoal corporativo não tem acesso aos sistemas industriais. O Scada, na maioria das empresas do grupo Eletrobrás, é o Sage – Sistema Aberto de Supervisão e Controle, elaborado e mantido pelo Cepel. Em Itaipu, o Scada utilizado é outro, da ABB. A utilização de sistemas Scada, além de modernizar a operação das geradoras, tornou possível o Projeto Reger do ONS – Operador Nacional do Sistema Elétrico – que busca centralizar as operações do SIN – Sistema Interligado Nacional – ainda que pequenas geradoras possam trabalhar enviando informações diretamente para o Reger, sem necessidade do Scada.

O objetivo do Reger é fazer com que todo o panorama do sistema elétrico nacional possa estar em um só local – com cinco centros de comando, três com capacidade de atuar. Para a operação, a ideia é boa porque não afeta nada dentro da usina, apenas se ganha uma interface para interagir com os centros de controle, enviando informações da geração e recebendo orientações e comandos, que vão ser operacionalizados pela automação de cada usina. Segundo Marcos Mendes, "os sistemas de automação elétrica têm diversos níveis. O Reger trata dos níveis mais altos. Ele está relacionado aos centros de controle remotos, ou seja, os sistemas de supervisão e controle do tipo Scada. A ideia é unificar a supervisão e controle do SIN, proporcionando redundância. Portanto, para trocar dados com o Reger, os níveis mais altos dos sistemas de automação de usinas e subestações devem ser, de certa forma, compatíveis com ele. A base para o intercâmbio de dados é a padronização das interfaces".

É comum ter junto ao Scada um EMS – Energy Management System – para gerenciamento de energia. Na Itaipu, instalado com o Scada, o EMS vem ganhando capacidade com os cada vez mais potentes computadores e novos programas (software). São esses sistemas de gerenciamento de energia que dão apoio à operação, por exemplo, quando existe excesso ou escassez de água numa hidrelétrica. "O EMS é um conjunto de aplicativos para apoiar o gerenciamento do processo. Eles podem indicar a forma de aperfeiçoar a geração, incluindo o uso da água". Mas, ao contrário de um gerenciador de ativos, o gerenciador de energia não gera informes para a manutenção dos equipamentos e instrumentos – o gerenciador de ativos na maior parte do setor elétrico é independente e, para a manutenção, segue as normas, boas práticas e recebe informações de outros sistemas na planta. A pesquisa de doutorado de Marcos Mendes mostra o que as empresas estão modernizando nas usinas brasileiras e qual a motivação para isso. A tese também esclarece que a norma IEC 61850 vem facilitar o dia a dia e mais que isso, a norma traz o modelo de cada elemento: se o sistema vai usar uma válvula ou sensor eles estão descritos nela.

Além disso, o professor Marcos Mendes chega a sugerir uma arquitetura moderna para o sistema de automação de usinas hidrelétricas, parte em anel (controle central) e parte em árvore (unidades geradora), conectadas. Esse sistema proposto pode ser utilizado desde PCHs a geradoras maiores. "Os sistemas para PCHs e para grandes usinas se diferem basicamente pelo porte e recursos disponíveis; já nas usinas térmicas as diferenças são maiores devido ao fato da fonte primária de energia ser distinta e, portanto, os equipamentos e a automação deles também". O setor elétrico também parece estar à beira de novidades em termos de protocolos de comunicação. Seguindo a IEC 61850, as redes vão convergir para Ethernet e mesmo o Modbus vai perder espaço ao longo do tempo porque a norma já traz todos os recursos de comunicação necessários para automação elétrica com Ethernet; o Modbus deve ficar apenas nos casos em que equipamentos peçam esse protocolo específico.

E todas as mudanças não assustam o RH das concessionárias porque, ao contrário do que se ouve em outros setores, nas geradoras do setor elétrico e mesmo em Itaipu os quadros são estáveis e há reposição quando necessário, sendo que os mais jovens passam por muitos treinamentos específicos. "Os novos profissionais já estão mais habituados às tecnologias que estão entrando no setor. As novas usinas e subestações (e as atualizadas) utilizam arquiteturas modernas de automação, que são totalmente digitais e com redes de comunicação. Os novos sistemas envolvem muita aquisição, intercâmbio, processamento e armazenamento de dados, resultando em maior inteligência. Além disso, eles são redundantes, aumentando a confiabilidade, e têm interfaces humanos-máquinas (IHMs) bastante amigáveis com várias facilidades para a operação. A sociedade pode ficar tranquila e esperar o melhor!", conclui o professor.





 
 
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