Revista Controle & Instrumentação – Edição nº 163 – 2010

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Energia dos Sonhos


Tecnicamente, eficiência energética é a relação entre a energia útil final de um processo ou energia de saída e a energia total necessária ou energia de entrada.

"Um exemplo clássico seria o de uma lâmpada: a energia útil é a iluminação, a energia de entrada é a potência da lâmpada multiplicada pelo tempo que a lâmpada permanece ligada. Mas a lâmpada é um exemplo claro de ineficiência também, pois apenas 8% da energia de entrada são transformados em iluminação; o resto se perde em calor. Uma lâmpada ligada em uma sala desocupada é um caso onde a energia útil é nula. Outro exemplo interessante, saindo da área elétrica, é o carro: a energia de entrada é a quantidade de calor do combustível no tanque e a energia de saída é a movimentação do carro. Também é um processo pouco eficiente, pois um carro parado/ligado gasta combustível, mas não produz nenhuma energia útil", explica o professor Ivan Camargo do Departamento de Energia Elétrica da Universidade de Brasília (UnB).

Pensando em melhorar essa relação na área elétrica, surgiu o smart grid que é o nome genérico de um grande elenco de tecnologias que até bem pouco tempo não eram viáveis economicamente, mas que estão se viabilizando e encontrando as concessionárias funcionando da mesma maneira que há 100 anos, pois a despeito de toda a evolução tecnológica na eletrônica e na tecnologia de informação, esse progresso não foi incorporado aos serviços prestados. Nossos sistemas elétricos ainda são antigos e ineficientes: os atuais medidores de consumo elétrico são exatamente iguais aos existentes nas casas de nossas avós! Na era digital, ainda estamos em busca de novas tecnologias na área elétrica, mais eficientes. Essas tecnologias visam aumentar o nível de integração das operações das empresas de energia que são feitas hoje manualmente e de forma não integrada. Tudo para a utilização mais eficiente da energia.

Há alguns anos o termo smart grid vem ganhando espaço nos debates em todo o mundo e as iniciativas para implantá-lo em países europeus ou nas Américas têm por base motivos diferentes – a Europa é motivada pela necessidade de melhorar a eficiência no uso final de energia e para implementar a geração renovável em pequena escala, como telhados solares conectados às redes, para alcançar suas metas de redução de emissões de CO2 . Nos EUA, o principal foco é reduzir o impacto de atos terroristas e de catástrofes naturais cada vez mais severas, em decorrência das mudanças climáticas. No Brasil e demais países da América Latina, o tema chegou mais recentemente até porque o uso da eletricidade per capita precisa se desenvolver para compensar a implantação de uma rede elétrica inteligente cada pessoa na América Latina gasta 7,6 vezes menos que na América do Norte e 3,25 menos do que na Europa.

E os governos latino-americanos têm se esforçado para a expansão da oferta de energia antes que na busca de eficiência e combate ao desperdício – sem contar que a matriz energética latino-americana é uma das mais limpas do mundo.Mas percebe-se que os grandes investimentos feitos nas redes de distribuição ficam ociosos um bom período da madrugada e deslocar algum consumo para esse horário, com desconto, seria um bom negócio para todos. Existe uma proposta junto à Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL de substituição de medidores ao longo do tempo com requisitos mínimos e a maior parte dos agentes acredita que essa alteração não deve ser impositiva porque na medida em que as tarifas diferenciadas possam ser cobradas, não há motivo para não implementar. Mas antes disso, é preciso que o Brasil tenha uma política energética, assim como na Europa e nos EUA, onde o smart grid está considerado no planejamento energético.

No Brasil, a estratégica ficou por conta de um grupo criado para definir a política de como essas tecnologias devem ser incorporadas ao sistema elétrico brasileiro, mas tal grupo ainda não divulgou resultado algum. "Primeiro é preciso uma política energética porque, quando se faz regulação sem uma política maior, pode se errar na dose. Existem várias discussões e estudos em andamento, mas essas coisas precisam ser sincronizadas", resume Cyro Vicente Boccuzzi, vice-presidente da Rede Energia e Executivo da Enersul, conselheiro e fundador da consultoria ECOee Energia Eficiente e coordenador do Fórum Latino Americano de Smart Grid. Agora, ou um pouco mais adiante, o setor de energia terá que absorver as novas tecnologias à disposição da infraestrutura, integrar ativos de eletricidade com dispositivos de sensoreamento, telecomunicações e TI.

A idéia ao extremo é que os medidores de energia residenciais conversem com os eletrodomésticos e atuem sobre eles, para que funcionem sincronizados com os preços de energia vigentes nos diferentes horários do dia. E, nesse contexto, os veículos elétricos, além de serem consumidores móveis, terão a habilidade de fornecer energia para as casas no período noturno, podendo ser recarregados durante a madrugada, quando as redes de energia ficam mais ociosas – para isso as tecnologias de armazenamento de energia, em rápida evolução, são ainda um calcanhar de Aquiles e ao mesmo tempo uma grande, talvez a maior, oportunidade de trasnformação radical da realidade de uso de energia atual.

Algumas cidades no mundo vêm obrigando a adoção destas tecnologias com força de lei e implementando obrigações progressivas de certificação das edificações, não somente quanto ao uso de energia, mas também para garantir que ele seja eficiente como um todo, até mesmo na sua desativação, com um mínimo de resíduos ambientais. E note que "adoção por força de lei" é o que move efetivamente os projetos por conta dos custos envolvidos: ninguém quer pagar o upgrade do sistema legado. Essa é a discussão nos EUA, na Europa e também na América Latina: o retorno sobre o investimento ainda não agrada os investidores que provêem o serviço. Mas são transformações necessárias que a sociedade como um todo vai ter que implementar.

Então, a Aneel já conduz estudos sobre essas tecnologias, suas possibilidades de implantação e estrutura tarifária a ser aplicada no setor de distribuição de energia elétrica no Brasil. Os primeiros resultados abrangeram a alteração do cálculo das tarifas de uso do sistema e realocação do custo de combate às perdas. O professor Ivan Camargo chegou a colocar a possibilidade de que, num sistema de smart grid, qualquer casa pode passar a vender energia numa relação "de ida e volta". O professor Ivan afirma que, com um sistema um pouco mais inteligente, pode-se ter uma bateria em casa e transformar a energia elétrica em química para guardá-la. Mas o ele também reconhece que esse sistema é um sonho de décadas porque, na realidade, acontecem falhas isoladas na rede de transmissão que os consumidores sequer sentem.

A Abradee levantou que as perdas de energia no Brasil, em 2009, chegaram a 17% no sistema – cerca de 80.600 GWh. Desse total, 28,1% estão na área de transmissão e o restante, na distribuição. As perdas na transmissão são técnicas, bem como 41,3% das perdas na distribuição, enquanto que 30,6% do total da energia gerada são perdas não técnicas na baixa e média tensão. Perdas não técnicas são aquelas vindas de furtos e fraudes e custam cerca de R$3,5 bilhões por ano, chegando a consumir o mesmo que o Estado do Paraná durante um ano inteiro. Para reduzir essas perdas, são necessárias ações de enfoque moral (evitar gatos), social (diferenciar tarifas) e tecnológica (criar infraestrutura para gerenciar melhor).

É preciso preparar infraestrutura para possibilitar o chamado smart grid – sistema elétrico inteligente que integra e possibilita ações por todos os usuários a ele conectados de modo a fornecer eficientemente uma energia sustentável, econômica e segura. Essa nova forma de ver o sistema elétrico tem sido discutida em todo o mundo e aplicada em alguns poucos lugares porque, apesar dos claros ganhos, os custos de mudar o sistema legado são altos e dificultam um consenso sobre seu rateio. (Re) Construir um sistema elétrico totalmente monitorado e controlado em tempo real é projetos de bilhões. As perdas energéticas totais causam prejuízo de R$ 7,8 bilhões por ano para as concessionárias de energia, segundo dados de 2009 da Aneel. Mas as empresas estão investindo em tecnologia para evitar isso e estão, assim, iniciando as redes inteligentes brasileiras – interessadas nas novas tecnologias, as distribuidoras do país já estão realizando seus estudos.

A Companhia Energética de Minas Gerais Cemig, por exemplo, está com um projeto piloto na cidade de Sete Lagoas que prevê a instalação de novos medidores para que se tenha um controle maior sobre o perfil de consumo, automação da rede e telecomunicações – com programas de eficiência energética associados. A Copel – Companhia Paranaense de Energia é pioneira na área de automação da rede e a Enersul busca solucionar as perdas técnicas causadas por sua extensa rede, que possui pontos de suprimento distantes dos locais de consumo no Estado de Mato Grosso do Sul, que cobre regiões com baixa densidade populacional e de difícil acesso, além de distantes umas das outras – as perdas técnicas da Enersul estão em 14% – a média brasileira é de 7,5% – e a empresa vem investindo em pesquisa para instalar dispositivos que permitam combater estas perdas técnicas, após ter já significativamente investido para automatizar a operação de sua rede, pois é mais fácil e rápido ligar ou desligar uma chave à distância do que enviar um caminhão para regiões distantes para isso.

A Enersul investiu significativamente no monitoramento e a atuação remotos das redes de distribuição e transmissão, o que não é smart grid, mas faz parte do conceito que se consolida quando existe telemedição, automação e acesso do consumidor às informações geradas. A Enersul também possui atualmente o maior parque instalado de medidores eletrônicos, lidos remotamente na área rural, no Brasil – são 39 mil clientes que possuem leitura remota, que começou a ser estudada e implementada em 2004. A concessionária também realizou o maior projeto piloto de instalação de medidores eletrônicos em uma única área nobre em uma capital do país: foram instalados em 2009 e estão em operação cerca 1500 medidores em bairro nobre de Campo Grande / MS. A Light, em parceria com a Cemig, investiu R$ 65 milhões num projeto de smart grid que, de acordo com o assessor da Diretoria de Distribuição da Light, Fábio de Oliveira Toledo, busca dar informações em tempo real do consumo de energia para os clientes. Então, os novos mostradores serão capazes de dar estimativas de consumo para o mês baseado na tendência dos três primeiros dias, dando tempo para o morador modificar seus hábitos e evitar uma conta alta.

O projeto abrange mil clientes na cidade do Rio de Janeiro. O sistema de smart grid da Light também permite o monitoramento remoto da energia gasta e o controle de gastos desnecessários por meio de tomadas inteligentes, ou seja, o sistema será capaz de analisar quando um televisor está desligado, em stand-by, e, portanto consumindo energia, e desligá-lo totalmente. Uau! Mas... Sempre existe um mas! As mudanças planejadas pela Light esbarram nas regras da Aneel porque seriam necessárias tarifas de energia diferenciadas por horário como as tarifas promocionais criadas pelas companhias telefônicas para ligações interurbanas. Hoje as distribuidoras já controlam as perdas de energia com medidores inteligentes – produzidos no Brasil pela Landis+Gir. Esses medidores são capazes de realizar desligamento automático de energia em habitações inadimplentes e alertar a rede no caso de furto de energia.

A Light possui 100 mil destes medidores e pretende instalar mais 120 mil em 2011; até 2013, a empresa quer ter 500 mil medidores inteligentes em sua área de concessão. A velocidade para a instalação está limitada pela Landis+Gir já que ela produz o único medidor inteligente homologado pelo Inmetro, e a empresa não consegue atender a demanda. O medidor da Landis+Gyr, um equipamento utilizado para medição centralizada, é instalado no alto dos postes e possui sistemas de cartões para dificultar o acesso de pessoas não autorizadas à rede. Mas as empresas costumam utilizar medidores de várias marcas e outros medidores estão em processo de homologação. Como nos lembra Cyro Boccuzzi: "Num mundo ideal haveria medidores inteligentes em toda a rede, mas existe a questão do custo-benefício. A instalação é um investimento em infra estrutura, e os benefícios advindos desta instalação devem compensar, ou seja, não podem apenas onerar o consumidor." O problema é mais complexo do que parece, já que o serviço prestado pelas empresas distribuidoras é a disponibilização dos fios para atendimento da carga.

Evidentemente, todo sistema de distribuição tem que ser projetado para a carga máxima do sistema. Se a carga máxima é muito maior que a carga média, estamos subutilizando a empresa de distribuição. Consumidores mais eficientes, além de usar equipamentos melhores, também são aqueles que distribuem melhor o seu consumo ao longo do dia. É possível, por exemplo, automatizar um eletrodoméstico para que ela só ligue quando a máquina de lavar estiver desligada. Então, em última análise, o uso mais eficiente do sistema de distribuição reduz a tarifa de energia elétrica: é bom para o consumidor e é bom também para a concessionária. Os projetos das empresas precisam de retorno econômico, então se direcionam as tecnologias já disponíveis e viáveis para áreas onde o retorno seja certo e mensurável, para mercados mais sofisticados, com mais elevado consumo, e mercados onde as perdas são elevadas às vezes a simples recuperação de perdas pode pagar o projeto.

A implantação segue uma lógica econômica. "Acredito que a vamos trocar todo o parque de medidores e não vai demorar muito porque os projetos que estão sendo colocados estão reduzindo perdas, gerando benefícios e criando um efeito de escala de produção que vai reduzir o preço unitário dos medidores e tornar outras áreas viáveis – espera-se uma queda de preços vertiginosa não só dos medidores mas também de outros componentes da rede smart grid. Então, essa disseminação começa com a implantação numa escala econômica, que ao mesmo tempo em que ocorre, acaba viabilizando equipamentos mais baratos e novas implantações também em escala econômica", pontua Boccuzzi.

A implantação dos projetos de redes inteligentes não está vinculada a cobrança hora-sazonal, mas seria inteligente fazê-lo porque hoje os custos para abastecer qualquer cliente são diferentes em horários e períodos diversos. Implantar a cobrança hora-sazonal também pre- miaria os clientes que ajudam a postergar investimentos das concessionárias e penalizaria os que insistissem em manter hábitos de consumo que demandam a continuada expansão do sistema como um todo. Algumas indústrias já têm tarifação diferenciada hora sazonal, mas as indústrias que recebem energia em baixa tensão – a mesma das residências, ainda não.

Algumas categorias de cliente pagam uma diferença de energia reativa, as empresas que recebem média e alta tensão, que têm subestação ou cabine primária, já têm sinais tarifários diferenciados em função de ponta, fora de ponta, em relação a período úmido ou seco, dias úteis ou finais de semana, diferenciação gerenciada por equipamentos que antes só eram viáveis para clientes de grande porte; espelhar tarifas diferenciadas para a massa dos clientes é possível graças a tecnologia e já é feito para alguns blocos de consumidores. Existem, no entanto, vários gargalos técnicos.

O primeiro, mais importante, é que o consumidor ainda não tem nenhum incentivo para usar melhor o sistema de distribuição. Não faz diferença nenhuma, na conta do consumidor residencial, usar energia no período de ponta, quando o sistema está sendo mais usado, ou na madrugada. É preciso, portanto, uma alteração na chamada estrutura tarifária brasileira. Além disto, os medidores de energia residenciais ainda não conseguem medir tarifas mais complexas; são necessários medidores de última geração para viabilizar uma utilização melhor da rede de distribuição.

Para o professor Ivan, o smart grid é um conceito geral que abrange todas as possíveis evoluções para um sistema elétrico mais inteligente. "Uma tendência que parece se consolidar é a possibilidade de distribuir a geração, ou seja, o consumidor deixar de ser um agente passivo no sistema e passar a ser fornecedor de energia, com a utilização de painéis solares por exemplo. Ainda assim, temos diversos gargalos técnicos e econômicos para atingir este estágio. No entanto, me parece óbvio que os sistemas de automação terão papel determinante na evolução do nosso sistema.

Na minha avaliação, o Brasil está muito atrasado no tema eficiência energética. O consumidor de energia elétrica na Europa ou nos EUA já tem incentivos para usar melhor o sistema e até para instalar fontes renováveis de energia na sua residência. Temos um longo caminho técnico a percorrer". As novas tecnologias vêm justamente para permitir a possibilidade de usos mais eficientes da energia elétrica, otimizando o sistema. Cyro Boccuzzi lembra que smart grid é muito mais do que instalar medidores eficientes ou automação na rede e controlar essa rede à distância: é procurar criar camadas gerenciais e de controle do uso da energia em vários níveis, tanto da concessionária como dentro da casa dos clientes, para que a energia seja utilizada de uma forma muito mais eficiente.


 
 
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