Revista Controle & Instrumentação – Edição nº 139 – 2008

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Automação estratégica

Já faz algum tempo desde que o pessoal de automação se acostumou a preparar justificativas para os investimentos propostos. A análise dos custos fornece informações preciosas para a gerência através dos relatórios de ROI. Mas, num projeto novo, muitas vezes a automação é lembrada depois de tudo pronto e muitas das soluções ficam com sua aplicação aquém do esperado; é como se devessem ser feitos dois estudos de ROI: um dos ganhos que serão obtidos e outro dos ganhos que seriam possíveis se a solução de automação tivesse sido estudada em conjunto com o design inicial da planta.

Então, pode-se dizer que o pessoal de automação tem uma visão estratégica das tecnologias de sua área, mas que ela mesma não é tratada de maneira estratégica pela empresa. Na verdade, não é muito fácil definir “automação estratégica”, mas podemos localizar esse conceito na medida em que uma empresa enfoca um projeto através de várias disciplinas e automação certamente não é uma delas.

Mas automação é estratégica ou um mal necessário? De qualquer forma, ela é vista ainda como uma ilha. A Controle & Instrumentação conversou sobre o tema com algumas pessoas da comunidade de automação, instrumentação e sistemas.

Mauricio Kurcgant, representante da ARC no Brasil, lembra que “quando se faz o budget de um investimento novo, o desembolso com a automação é tão pequeno comparado com as grandes compras de equipamentos mecânicos e elétricos, obras civis e projeto, que o pessoal acaba incluindo a automação nos “outros”. Ela não é vista estrategicamente até mesmo pelo pequeno custo que representa no montante do investimento”.

Mais ou menos no mesmo caminho, Cláudio Fayad, presidente da Foundation Fieldbus no Brasil, comenta que “ao montar o budget de um projeto, o pessoal não está pensando que na automação existem soluções que podem alterar esse mesmo budget. Por exemplo: quando se está elaborando um projeto e calculando quanto se vai gastar em aço, em tubos, quanto vai ser a produtividade dessa planta, quanto vai ser o custo total do investimento, ou quanto vai custar de manutenção por ano, não se pensa na automação. E a automação toca, e portanto influencia, todos esses planos. Com uma automação diferenciada pode-se gastar menos tubos, aumentar a produção, gastar menos com manutenção... Uma solução de automação tem impacto em todas as disciplinas que se utilizam para montar o budget mas ninguém está olhando isso”!

Então, é preciso olhar o ciclo de vida todo da planta, não só o custo inicial. Algumas empresas estão começando a abrir os olhos para isso, mas não o suficiente. A maioria ainda não se apercebeu e apenas subiu um pouco a porcentagem da participação da automação no montante total do investimento.

Fayad cita como exemplo a possibilidade de utilização de uma placa de orifício de quatro furos, que pode diminuir em 90% a necessidade de trecho reto numa tubulação, e isso é menos tubo pra comprar! Mas o projetista que desenhou e especificou a tubulação não levou isso em consideração e, quando ele fica sabendo dessa outra possibilidade, tudo já foi comprado. Uma grande oportunidade de otimização de custos passou! Como no projeto atuam dois ou três grupos totalmente separados, muita coisa acaba perdida. Essa situação lembra o início da possibilidade de se utilizar remotas no campo, descentralizar, baixar custos de cabeamento. Quando essa informação chegava ao grupo do projeto não adiantava mais porque os cabos e bandejas já haviam sido comprados. Algo que podia ser visto antes, que economizaria muito, não foi visto a tempo. É assim que se fazia, e se faz ainda.

Carlos Fernando Albuquerque, gerente para PCS da Siemens, também sente no mercado essa dicotomia técnica/custo. “Você tem que saber quem manda no projeto porque pode perder um tempo enorme apresentando uma solução que é aceita pelo lado técnico mas que não vai passar pelo crivo dos custos. Então, se você tem que apresentar uma solução de automação que será julgada apenas pelo preço, toda a abordagem muda, porque muitos benefícios que a solução apresenta não foram especificados. É muito complicado porque ganhos óbvios deixam de acontecer porque a automação só entrou no final do projeto”.

Como ter lugar no pensamento do grupo que elabora um projeto? Porque a manutenção já está no pensamento de muitos projetistas? Para muitos, os desenvolvedores e o pessoal que lida com automação estão falando muito da automação ajudando a manutenção. Mas quando se fala de um projeto grande nas mãos de uma EPC, tudo acaba caindo no critério dessas empresas, que é custo: quanto se vai gastar naquele momento, não importa o quanto uma solução vai economizar ao longo do tempo, mesmo que seja para possibilitar uma filosofia de manutenção diferente. “O pessoal ainda foca muito no capital inicial e muito pouco na redução do custo operacional ano a ano, por 20 anos. Isso não é comparado”, frisa Fayad.

Tanto fornecedores quanto usuários lastimam que hoje, qualquer solução é julgada pelo preço inicial; raramente alguém olha o custo total. Na hora da concorrência o que vale é o custo inicial. E lastimam porque é difícil mudar a cultura e a tradição dos processos de compra. Porque, se o custo da automação em um projeto é 2% ou 3% do total, mesmo que na hora de apresentar a automação o grupo de projeto perceba os seus benefícios, ela os associa apenas a esses 2% ou 3%. Mas a automação é estratégica, oferece economias e apresenta benefícios em todo o projeto, nos 100% do capital. Então a automação não pode ser vista apenas fechada em seu próprio nicho – senão fica apenas na decisão de usar PLC ou SDCD; Fieldbus, Profibus ou outro protocolo.Wireless ou não? Claro que, dependo do que se escolhe, a planta pode agregar ou não novidades no futuro, ser mais ou menos flexível. Mas esse olhar não privilegia a automação do ponto de vista estratégico.

“A gente fala muito de automação estratégica no ambiente de automação, que são essa escolhas de protocolos, de qual tecnologia utilizar, etc. Mas queremos levar a automação para outros níveis de decisão, queremos que ela seja avaliada de forma estratégica pela empresa como um todo”, acrescenta Maurício Kurcgant.

Fayad lembra que, quando o Fieldbus Foundation surgiu, seu principal benefício visualizado era economizar fiação. Depois, observou-se que ele tinha o menor tempo de comissionamento. Mas, de pronto, só o pessoal de automação notou esses benefícios. E ainda existiam os benefícios de melhores diagnósticos e de poder implantar uma filosofia de manutenção diferente – benefícios que afetam não só o pessoal de automação, mas também o de manutenção, e toda a empresa porque aumenta a disponibilidade da planta. A pergunta que deveria ter sido feita é: o estudo de viabilidade da planta considerou a diferença dela ser em Hart ou em FF?”

Hoje em dia alguns aspectos da automação começam a tocar fundo no pessoal da área corporativo. Mas ainda há descompasso nessa ligação porque quando se fala em automação, pensa-se em altas velocidades, medidas em segundos, ou mesmo frações de segundo. Quando se pensa em outra camada, como controle avançado, o tempo é avaliado em minutos; quando se fala em otimização, em horas; quando a informação chega ao CEO, está-se falando em meses. Então quando o operador mexe numa determinada função, só vai se saber quanto aquela ação vai impactar no resultado da empresa um mês depois. Com a convergência entre TA e TI, esse conhecimento pode ser instantâneo. Então, a automação e a ação do operador são estratégicos para o resultado da empresa. Mas nem todo mundo quer correr o risco de colocar isso em pauta. “É preciso pensar em uma operação colaborativa – operação, manutenção, corporativo/financeiro trabalhando de forma realmente integrada”, acrescenta Maurício Kurcgant.

A automação começou a ficar mais evidente para a alta direção da empresa depois da inclusão dos KPIs na cultura de gestão. Mas na hora em que foram feitos os projetos que estão rodando hoje, nada disso foi levado em consideração, só se viu quanto custava o projeto como um todo – e nesse contexto, qual o instrumento mais barato.

Fayad lembra que existem os KPIs do processo, os KPIs de automação e os financeiros, e não está claro para todo mundo o que eles são e ainda não existem estudos interligando os três indicadores. Na verdade, a automação tem um impacto no todo, mas que ainda não foi mensurado de forma metódica porque ela só é levada em consideração depois que tudo mais está escolhido. No momento dos processos de seleção, muitas vezes por causa da “comoditização” - que leva ao nivelamento por baixo – a automação não é vista de forma ampla porque todo mundo tem que ser igual e não tem como justificar diferenças porque não teve um requisito solicitando aquilo que pode ser um grande diferencial. Aí o usuário fica com aquela solução que não foi desenhada para atingir todos os níveis esperados em produtividade, manutenção, custo etc. Também por vezes não é analisada a filosofia de operação e manutenção que leva – ou deveria levar – à escolha do sistema, do nível de diagnóstico, da manutenção preditiva, e outros requisitos.

Maurício Kurcgant percebe um movimento extremamente delicado, muito observado hoje em dia, que, à medida que alguns vão tomando consciência desse processo todo, vê-se cada vez mais ingerência do pessoal de TI na automação. “Só porque a operação está usando redes, switches, Ethernet! É muito importante deixar claro que o que se faz no chão de fábrica não é a mesma coisa que se faz no corporativo com o mesmo equipamento. Na linha de produção a segurança é fundamental. Uma parada não programada pode pôr vidas e equipamentos em risco. É um ponto importante a ser pensado pelo pessoal de TA desde já, de maneira estratégica. Já vi coisas do tipo ‘vou comprar o SDCD de vocês, mas os switches eu escolho’ – ora os switches fazem parte do sistema! Essa integração desejada tem uma contrapartida complicada”.

Uma das grandes belezas da automação é que ela interage com tudo – tem ferramentas para o financeiro, instrumentos de processo, de engenharia, etc. e, ao contrário de matérias específicas, a automação tem que saber de tudo da medição da rede, da transferência, do impacto disso no botton line, na ecologia, na produção. A automação não aparece além daqueles 2% ou 3% do custo do investimento que muitas vezes é o fator determinante em um sistema. E volta-se à relativamente baixa participação da automação no montante do investimento....

“O importante é o valor e não o custo. No Brasil somos mais sensíveis ao custo. O preço tem peso maior nas decisões brasileiras do que em outros países”, afirma Maurício Kurcgant, lembrando que, na época da instrumentação pneumática, se o projeto todo de automação custasse 100, os instrumentos de campo custariam 30, o painel representaria 40 e as válvulas 30. Com o passar dos anos, a válvula, cuja tecnologia e fabricação não mudou muito, manteve seu preço de venda. Mas os instrumentos transmissores, hoje 10 vezes mais precisos, tiveram seus preços reduzidos para cerca de 20% do que custavam antigamente. O painel e seus instrumentos se transformaram em SDCDs e PLCs, com funcionalidade muito maior, e custando hoje pequena fração do que custavam antigamente. Conclusão: a automação passou a representar um percentual menor sobre o investimento.

De fato, sente-se no mercado que, onde entrou inteligência, hoje existem mais fornecedores do que o mercado comporta e eles entraram numa luta de preço. Alguns produtos hoje são vendidos quase a preço de custo e as margens estão pequenas. Mesmo assim, existem casos de projetos de automação que geraram 400% de retorno, ou mais.

Pode parecer que os usuários não ligam – o que não é verdade porque, no dia a dia, eles buscam a solução. Mas na hora de olhar a solução como um todo, pesa mais o custo. Talvez porque a automação tenha mesmo uma aura de solução e no pensamento dos projetistas, qualquer automação que se comprar resolve. E é (quase) verdade. Mas existem algumas características que só este ou aquele fornecedor possuem, características que poderiam ter mudado a forma do planejamento e de algumas definições. Mas como ele não levou essas possibilidades em consideração antes, vai ter que lutar pelo preço e todos os fornecedores terão que equalizar porque não há mais espaço para analisar diferenciais.
Na maioria dos projetos, a automação não vem definida como quando se compra uma caldeira, por exemplo, porque existem plantas que possuem ilhas que devem ser integradas depois. Petroquímicas e empresas de óleo e gás querem comprar soluções separadas dos equipamentos de processo. E existe também a possibilidade de se trabalhar com o conceito MAC - Main Automation Contractor, onde se reúnem especialistas de automação no momento anterior a esse tradicional processo de compra para que as considerações sejam feitas durante a engenharia básica e assim as proposições de automação possam ser ouvidas. Mas ás vezes acontece que uma empresa está vendendo uma solução fechada e se não vender a solução toda, não dá garantia. Então, o compromisso desse fornecedor é com o seu pacote, não com a operação como um todo. Os usuários também têm suas queixas...

Hoje, a maioria das empresas têm equipes multidisciplinares que incluem a automação, mas nem todas pedem sugestões no projeto básico; a automação hoje está ligada quase que só ao detalhamento. A equipe de automação leva vantagem nas plantas já existentes porque, para melhorar a produtividade, por exemplo, seu custo menor compete com o elevado custo da trocas de grandes equipamentos.

É bom lembrar: quando se compra automação não se está comprando equipamento, mas uma infra-estrutura que pode ser expandida e modernizada durante 20 anos. Mas pode-se notar, depois de décadas, que essa infra-estrutura não é flexível o bastante para agregar outras tecnologias. Se você analisar os benefícios que trocar a automação vai trazer para outras disciplinas – seja meio ambiente ou produtividade – trocar a automação é mais barato, mesmo que ela não tenha sido depreciada totalmente.

E nesse ponto, vale lembrar que a automação extrapolou sua função inicial de controlar. Ela aumentou sua interação com outras disciplinas e vem mudando tão rapidamente que é difícil para os usuários terem uma idéia comparativa entre os fabricantes e seus diversos instrumentos e sistemas. É difícil se manter atualizado. Os departamentos de engenharia e automação, quando existem, são muito mais enxutos e a empresa passa a depender de informação de terceiros. E fazer simulação de cada opção é muito caro – ainda que seja recomendado por um recente levantamento da ARC.

Muitos usuários que trabalham na automação gostariam de ter mais visibilidade dentro da própria empresa porque, sozinhos, não conseguem explicar o valor e os benefícios da automação já que falta uma metodologia para deixar isso claro para o departamento de compras – que atua de forma bem tradicional: para a compra de um forno ou uma caldeira, faz especificação técnica e seu estudo de ROI. A automação seguiria o mesmo processo se o custo não fosse tão baixo. E assim a empresa deixa de ganhar uma série de benefícios. A automação fica resumida a um processo meramente técnico enquanto esse processo de compra deveria incluir os mesmos critérios financeiros e estratégicos que a definição de outra compra qualquer.

Alguns usuários lembram que muitas vantagens da automação não podem ser apresentadas porque são benefícios de outras disciplinas! Em um processo de compra se escolhe o projeto de maior eficiência. Mas será que, com uma automação diferenciada, o projeto “perdedor” não teria eficiência aumentada ao mesmo nível do escolhido, a um custo menor? Isso acontece porque os projetos concorreram com parâmetros médios de automação, e depois da decisão, o benefício que a automação poderia trazer já foi gasto.
E persiste no Brasil, em algumas equipes, a idéia de que a automação corta postos de trabalho. Na verdade, ela possibilita às pessoas fazerem um trabalho diferenciado, mais focado, mais seguro... Para outros, a automação está inserida na manutenção e ainda é algo visto como custo. E existem empresas que estão à frente disso tudo. Seria útil, então, verificar esses procedimentos também para entender o sucesso que algumas empresas têm.

“A ARC tem feito estudos das melhores práticas onde aspectos específicos da automação são levantados junto aos usuários, e determinado em quais quesitos as empresas líderes se diferenciam das demais”, finaliza Maurício Kurcgant.

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