Revista Controle & Instrumentação – Edição nº 138 – 2008

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Multivariáveis
Além de controlar processo, medição de vazão passa a servir para transferência de custódia no setor industrial

A Agência Nacional do Petróleo e o Inmetro ainda não admitem o uso para fim fiscal, mas a Petrobras já sabe quais as vantagens de usar um medidor de vazão multifásico – que calcula o fluxo de óleo, gás e água que saem dos poços de petróleo, antes mesmo de todo esse fluido passar pelos vasos separadores. “Caso a ANP aceite esse medidor para teste de poço, eliminaríamos um separador de testes em cima da plataforma, onde o mais importante é espaço”, comenta o engenheiro de petróleo Marcel Gava da Silva, um dos especialistas alocados no Centro de Pesquisas da Petrobras.

Os medidores de vazão podem não ser multifásicos, mas são multivariáveis – porque sempre têm associados à medição de temperatura e de pressão. Isso ocorre porque, na indústria de óleo e gás – pelo menos aqui no Brasil – o padrão é medição em volume – e nesse caso é necessário que haja uma conversão para valores pressão e temperatura padrão – no Brasil, as condições padrão são: 20ºC e atmosfera de 101 325 Pa. Só dispensa o cálculo dessas duas variáveis a medição de vazão em massa – em que o valor é absoluto.

Nesse momento, Marcel se dedica a uma pesquisa para implantar medidores de vazão para a água que será reinjetada nos poços – algo importante para manter o reservatório pressurizado. “Essa água tem que ser medida, para o engenheiro de reservatório ter o controle de quanto está sendo injetado e quanto da pressão está sendo mantida”, explica. O engenheiro sabe que definir a tecnologia mais adequada para medir a vazão dependerá, sobretudo, do fluido: se é um líquido ou um gás, se é condutor ou isolante, e se está limpo ou contaminado – para medir a vazão da água, por exemplo, os medidores utilizados para óleo podem não atender satisfatoriamente, já que a água é um fluido condutivo, enquanto o óleo é isolante. “Até mesmo na Petrobras, a área de Exploração e Produção, que trabalha com grandes vazões, utiliza alguns tipos, enquanto a área de Abastecimento ou de Gás, onde as vazões podem ser menores, pode trabalhar com outros medidores”.

Em primeiro lugar, a Petrobras está sujeita à portaria 001 da ANP/Inmetro, de transferência de custódia, que limita as tecnologias – para medição de óleo, são permitidos medidores ultra-sônicos, deslocamento positivo e turbina, enquanto para medição de gás são utilizados placa de orifício, ultra-som e turbinas. E a indústria tem a disposição normas internacionais – API, AGA e da Organization Internationale de Metrologie Legale, para nortear as aplicações de medidores, além das normas ISO, que determinam parâmetros de calibração para cada tipo de medidor.

Foi o setor de petróleo o primeiro a adotar a medição de vazão para fins de transferência de custódia – a fim de que as petroleiras pagassem ao Governo pelo petróleo e pelo gás que extraíssem de nosso subsolo. Hoje as diretrizes de transferência de custódia já são adotadas pela indústria de bebidas – e em breve pela indústria sucroalcooleira.

Tecnologias

A variável vazão é definida como a quantidade de fluido que passa por uma determinada sessão por onde ocorre o escoamento em um determinado espaço de tempo – que pode ser uma unidade de massa ou volume. “É importante ter em mente que, para o caso de vazão volumétrica, as condições de referência – pressão e temperatura – devem ser informadas”, observa o engenheiro.

Um equívoco nessa informação altera significativamente o resultado da medição – em uma tubulação, com o fluido gasoso comprimido a 20 bar e 40 oC, um volume de 10 litros/h se transforma em 100 litros/hora quando retorna para uma pressão mais baixa. Já a vazão mássica é absoluta.

O grau de incerteza não depende unicamente da tecnologia, mas também das características construtivas de cada equipamento, além da combinação com o tipo de fluido. Marcel aponta a tecnologia de ultra-som como a que se mostra interessante para os mais diversos tipos de fluidos – nessa tecnologia, um feixe de onda acústica é emitido através da seção onde ocorre o escoamento, e o tempo de trânsito da onda no interior da tubulação é diretamente relacionado à velocidade do fluido. “Temos também o medidor tipo Coriolis e aquele conhecido como volumétrico – ou de deslocamento positivo, que mede ‘dividindo’ a vazão em pequenos volumes conhecidos”.

Para a medição de gás, a tecnologia mais adotada é a placa de orifício – porque sua calibração é unicamente dimensional: basta verificar todas as dimensões para saber que ela está calibrada, dispensando a necessidade de comparação com outro medidor calibrado.

A portaria ANP/Inmetro limita os valores para erros máximos admissíveis – para medição de óleo o erro máximo é de 0,2% e para o sistema de medição completo é 0,3%. No caso do gás, a portaria indica uma incerteza máxima de 1,5% para o sistema.

Ao longo de toda a cadeia, é feita uma verificação – porque o sistema teoricamente está fechado, com o mesmo volume de entrada e saída. Na extração de petróleo, um instrumento mede o volume na cabeça do poço enquanto outro verifica a vazão na transferência do óleo para o navio – ou do gás na entrada do pipeline. Nessa hora é feito um balanço de massa, que compara os dois dados – e caso algo saia dos limites admitidos pela portaria, os operadores podem até trocar os medidores. “Como temos essa cadeia de medição, é possível saber onde está o erro – e como fazer o ajuste”, explica Marcel.

Mas o medidor de vazão não é utilizado pela Petrobras exclusivamente para transferência de custódia – cada poço tem um instrumento desse instalado, sem contar com os medidores colocados na malha de oleodutos e gasodutos, para controle da operação. Por isso que a equipe do Centro de Pesquisas vem trabalhando na análise de medidores multifásicos de várias marcas – enquanto a ANP e o Inmetro não permitem o uso para transferência de custódia, a Petrobras utiliza para controle do processo.
Esse tipo de medidor já é utilizado pela norueguesa StatoilHydro – com quem a Petrobras tem um acordo de cooperação tecnológica.

Apesar de mais caro, o medidor multifásico pode ser aplicado em ambiente submarino, antes de qualquer separação de fluido. Na prática, a petroleira pode dispensar um vaso separador nas plataformas de teste. Ou até mesmo ter medições constantes nos poços, já que, quando a Petrobras quer estimar o volume de produção de um poço independente, precisa desconectá-lo da linha principal do manifold e conectar o poço à plataforma por uma linha de teste para fazer verificações pontuais e criar uma curva de produção.

Cada fabricante possui uma tecnologia diferente, que em muitas vezes são caixas-pretas. O comum é encontrar uma tecnologia que mede a vazão – geralmente Venturi ou deslocamento positivo – e algorítmos que calculam a porcentagem de óleo, gás e água no fluido. “Geralmente eles trabalham com uma fonte radioativa, que consegue medir a densidade do fluido. A tecnologia desse equipamento está nos cálculos matemáticos”, finaliza o engenheiro.

Nas refinarias, várias tecnologias dão mais precisão à vazão

Se no setor de produção de petróleo, a medição de vazão se divide em medição para apropriação da produção, medição fiscal e medição operacional – segundo a portaria ANP/Inmetro 01/2000 —, no refino a vazão é monitorada para medição operacional e medição para transferência de custódia.

“Considera-se medição de vazão operacional aquela realizada para possibilitar as operações de produção de derivados e sua especificação em termos de características e qualidade. Já a medição de vazão para transferência de custódia é aquela envolvida na totalização das quantidades de óleo cru ou derivados intermediários, não especificados, recebidos pelas refinarias e das quantidades de derivados prontos que são enviados para as companhias distribuidoras, terminais marítimos e terrestres, navios de cabotagem e de exportação”, explica o engenheiro Rogério Weber, da gerência de tecnologia de equipamentos de instrumentação e elétricos da área de Abastecimento e Refino da Petrobras.

As tecnologias empregadas para medição de vazão nos dois tipos de atividade são as mesmas, mas os requisitos de desempenho nessa medição variam e para a transferência de custódia eles são significativamente mais exigentes.

Segundo Weber, o cumprimento desses requisitos é garantido pela utilização das melhores práticas de projeto, especificações técnicas rígidas para os equipamentos, sua instalação e comissionamento e por padrões de execução de manutenção e calibração validadas segundo especialistas da empresa e dos fabricantes. “Utilizar padrões de referência e trabalho com rastreabilidade metrológica é fundamental para a qualidade da calibração e para a garantia do desempenho metrológico dos sistemas de medição de vazão, independente da aplicação”.

O recebimento na refinaria do óleo cru e dos derivados intermediários é considerado uma transferência de custódia, logo, segue requisitos metrológicos rígidos. Segundo Weber, nessa operação, a vazão é determinada pela variação, no tempo, do nível do tanque de recebimento, aplicando-se as devidas correções de temperatura – que dilata as chapas de aço que compões o tanque, e atua também no produto — bem como correções devido a da curva de arqueação do tanque. Sim. Medição de nível também legal, permitida por lei. Vale lembrar que para a determinação desse nível utilizam-se medidores automáticos de nível tipo radar - baseado na emissão e reflexão de microondas -, e servo-operados – baseados no empuxo provocado em por uma bóia de massa e volume determinados. Os medidores radares servo-operados têm a vantagem de medir também o nível de água no fundo do tanque. E a comprovação metrológica é feita através da comparação entre o valor do nível indicado pelo medidor automático e o valor lido em trena calibrada com classe de exatidão 2, lançada mensalmente no tanque por um operador.

Mas, e se uma diferença na comparação for encontrada a diferença de exatidão? Se o limite de diferença aceito, de mais ou menos 4mm, for ultrapassado, executa-se manutenção no medidor. Weber explica que não se utilizam medidores em linha em função dos grandes volumes recebidos e da grande variação de características físicas dos produtos devido à própria variabilidade do petróleo brasileiro. Em uma refinaria típica, nas atividades de processamento do petróleo e mesmo para especificação de derivados, existem milhares de pontos de medição de vazão. Um bom exemplo seria uma unidade de destilação com capacidade de 30 mil m3/d; ela possuiria, sozinha, mais de 180 pontos de medição de vazão. E a simplicidade da placa de orifício é imbatível ainda: ela é utilizada em mais de 90% dos pontos de medição de vazão de uma refinaria. Mas sobra espaço para que quase todas as outras tecnologias estejam presentes pois, numa refinaria, podem-se encontrar medidores tipo tubo de Venturi, Vortex, Annubar, Rotâmetros, mássicos tipo Coriolis e Ultrassônicos (para fornos, exaustor e flare). Segundo Manuel Louzada, gerente Setorial de Elétrica e Instrumentação da RPBC, em Cubatão/SP, existem testes para se utilizar o medidor ultrassom não intrusivo. “Com relação aos testes em andamento com medidores ultrassom com sensores não intrusivos, em correntes líquidas de produtos ácidos, o fator de incrustação do produto nas paredes das tubulações é fator que deve ser considerado como limitante para especificação desses instrumentos , em substituição a medidores tipo placa de orifício”.

Segundo Weber, a placa de orifício predomina por seu custo/benefício: é uma tecnologia dominada, atende metrologicamente aos fins a que se destina e tem baixo custo. Claro, não é a tecnologia mais moderna mas é utilizada nas empresas do setor por todo o mundo. “Em aplicações onde o fluido do processo é sujo ou tem tendência a congelar à temperatura ambiente, a placa de orifício não é indicada devido a possibilidade de entupimento das tomadas de impulso para o transmissor de pressão diferencial”.

Custo/benefício!

E custo é ainda o grande fator limitante para a utilização de outras tecnologias, nos pontos em que a placa domina. Medidores ultrassônicos e Coriolis ainda têm custo elevado para a maioria das medições operacionais de vazão mas são utilizados em aplicações como a medição de vazão na tocha, nas malhas de controle de passes de fornos e malhas de controle de temperatura a partir da vazão de combustível para os queimadores.

Mas apesar dos requisitos de desempenho metrológico serem menos críticos na medição operacional de vazão, seu controle é fundamental e rigoroso – boa exatidão e pequena incerteza são fundamentais. Por isso, os sistemas de medição são calibrados e/ou verificados, no mínimo, a cada parada programada de manutenção, que numa refinaria típica seria a cada quatro anos.

Já a medição de vazão de derivados vendidos pela refinaria, por serem as de transferência de custódia, seguem critérios de disponibilidade e desempenho muito mais severos. As características de exatidão  e incertezas aceitáveis são extremamente rígidas e devem atender atendem aos requisitos indicados no API-MPMS – American Petroleum Institute – Manual of Petroleum Measurement Standards. Nessas operações, todo o sistema de medição é crítico e desde o projeto conceitual até sua operação e manutenção os padrões utilizados são extremamente rígidos. “Não é suficiente que tenhamos certeza das vazões indicadas; nossos clientes também precisam ter confiança nos valores apontados para minimizar divergências”, explica Weber.

Todo esse rigor dentro da refinaria garante uma boa precisão na transferência de custódia para seus clientes. Mas nem por isso divergências inexistem. Vale lembrar que as distribuidoras, os clientes das refinarias, também precisam ter uma medição legal por seu lado. E essa medição é por nível – a lei não os obriga a implantar outro sistema. Por isso, os contratos já prevêem percentuais de imprecisão, diferenças aceitáveis de um e outro lado. Mas Weber assinala que, ao longo do tempo, a diferença tende a ser pequena, mesmo com a diferença de tecnologia.

Bom que seja assim porque, considerando-se o processamento de aproximadamente 1.800.000 barris por dia de petróleo, processamento esse que produz derivados com valor agregado muito superior ao do óleo cru, imagine quanto 0,5% de erro na medição representa economicamente. Então, as refinarias da Petrobras possuem sistemas de medição para transferência de custódia que operam desde vazões de 30m3/h até sistemas com capacidade para 2.500 m3/h. “Falhas não são admitidas porque poucas horas medindo a vazão de forma incorreta pode ser catastrófico”.

A turbina – que trabalha gerando um número de pulsos proporcional à vazão volumétrica de produto que passa por suas pás (fator K) - é o principal tipo de medidor de vazão de para derivados claros como gasolina, diesel, GLP e QAV. Ela é utilizada porque sua estabilidade é alta, sua manutenção relativamente simples e sua tecnologia é dominada e empregada há anos. A medição dos derivados chamados escuros – óleo combustível, asfaltos, e outros – ainda é feita por medidor de deslocamento positivos (PDMeter), também conhecido como medidor das engrenagens ovais – medidor que possui câmaras internas de volume bem definido e gera pulsos proporcionais à quantidade volumétrica de produto deslocado por estas câmaras. É um equipamento grande, pesado, de manutenção difícil e cara, que possui excelente repetitividade mas só é empregado na medição de produtos de alta viscosidade, onde o uso de turbinas é contra-indicado.

A medição por variação de nível ao longo do tempo também é empregada no caso de indisponibilidade de medição em linha. Ainda não são utilizados medidores ultrassônicos de múltiplos feixes devido ao seu alto custo e dificuldade de calibração através de provadores de pequeno volume. Os Coriolis também não são utilizados em maior escala porque ainda têm um custo alto. “Estamos realizando pilotos com produtos específicos para viabilizar o uso dessas e outras tecnologias, uma vez que possibilitam maior disponibilidade e significativa redução de intervenções para manutenção devido a inexistência de partes móveis”, comenta Weber.

O controle metrológico dos medidores de vazão envolvidos na transferência de custódia é feito por comparação com um provador em linha – um tubo de volume bem determinado que possui rastreabilidade a padrões metrológicos internacionais. As comparações são feitas ao menos uma vez por semana mas, segundo Weber, podem ser feitas a cada transferência, a cada dia, dependendo do produto e do tipo de medidor, tudo para minimizar as conseqüências de defeitos no sistema de medição.

Vale lembrar que perdas de produtos por vazamentos, dentro das refinarias são raros, hoje, depois da implantação do programa Pegaso e pela atuação de softwares de reconciliação de variáveis. Mesmo em dutos que levam produtos para clientes, as refinarias acrescentam medidores ultrassônicos apenas para seu controle de perdas identificar vazamentos.

“Uma medição incorreta acarreta perdas. Se o problema for operacional, podem acontecer paradas com perda de produção, ou produção de derivados fora de especificação – o que leva a reprocessamento – e mesmo acidentes por condições anormais não detectadas. Se o problema estiver na transferência de custódia, a refinaria ou o cliente perderão dinheiro, o que levará a divergências, discussões e, em última instância, a perda de confiança mútua”, acrescenta Weber.

Por isso, apesar das tecnologias utilizadas em grande escala nas refinarias não serem aquelas consideradas as mais novas, são as mais confiáveis e todos os equipamentos de medição de vazão, para transferência de custódia, possuem transmissores associados para medir, além da vazão, a pressão e a temperatura do fluido para realizar as compensações necessárias para manter a medição de vazão na condição de referência, 20oC a 1 atm.

Os desafios da mediação de vazão nas refinarias não são muito diferentes dos de outras empresas, em outros setores: a redução de custos de equipamentos que utilizem tecnologias mais modernas; o aumento da velocidade de processamento dos instrumentos que geram pulsos eletronicamente para possibilitar sua calibração com provadores de pequeno porte volume; e a capacitação de técnicos de manutenção nas novas tecnologias.
Segundo Lousada, especificamente para a medição de vazão, a Petrobras encontrou uma saída: acrescentou ao treinamento já existente – contínuo – um curso na Universidade Petrobras, com cerca de oito módulos. Para os técnicos que chegam à área de automação, instrumentação e elétrica das refinarias, o primeiro passo é um curso de nivelamento de conhecimento e, em ao longo do tempo, eles participam de seminários, workshops, congressos e cursos, internos e externos. “Para um homem de refinaria são precisos aproximadamente quatro anos para que ele conheça bem seu trabalho. E todos nós que trabalhamos na Petrobras temos consciência de que o conhecimento e a tecnologia devem ser constantemente revisados para aumentar a performance do nosso trabalho e da companhia”.

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