Revista Controle & Instrumentação – Edição nº 125 – 2007
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Quanto melhor se mede, melhor se controla
Centro de Operações do Sistema Eletrosul, baseado no SAGE

O Sistema Interligado Nacional (SIN) é uma imensa malha de geradores, linhas de transmissão, transformadores, equipamentos para controle de tensão e equipamentos de manobra pertencente a inúmeras empresas, operado pelo ONS e regulado pela Aneel. Esse sistema sofre uma média de 6 mil pequenos incidentes por ano,na sua maioria curtos-circuitos temporários em linhas de transmissão, que não chegam a ser notados pelos consumidores, graças aos esforços conjuntos das empresas de energia elétrica e do ONS que, acredite ou não, mantêm o funcionamento a partir de medições aparentemente insuficientes para se determinar diretamente o estado prevalecente no momento, valendo-se de aproximações inerentes a métodos matemáticos de estimação de estado. Calma! É assim no mundo inteiro porque não existia um meio seguro e eficiente para realizar direta e acuradamente essas medições. Mas isso deve mudar, em breve.

Osistema elétrico interligado brasileiro, conhecido como Sistema Interligado Nacional ou SIN no jargão do Setor Elétrico, pode ser visto como uma grande máquina, distribuída e incrivelmente complexa, com mais de 80.000 km de linhas de transmissão entre 230 e 750 kV e mais de 600 usinas interligadas, estendendo-se do Rio Grande do Sul até o Pará. Isto significa cobrir uma extensão de cerca de 4.000 km, ou seja, a distância entre Lisboa e Moscou, fato que sempre impressiona os europeus, que logo visualizam os vários países que existem entre essas metrópoles. O SIN opera em corrente alternada, a 60 Hz, o que o faz ser único na América do Sul, pois os demais países têm seus sistemas elétricos na freqüência de 50 Hz. Isto não significa que o Brasil esteja impedido de intercambiar energia elétrica com seus vizinhos, pois graças ao desenvolvimento tecnológico da eletrônica de potência há hoje conversores de freqüência de elevada confiabilidade. A título de exemplo, é por meio de modernos conversores de freqüência que Argentina e Brasil interligam seus sistemas, bem como Paraguai e Brasil compartilham a geração de 50 Hz da ITAIPU Binacional por meio de um elo de corrente contínua que pode ser sumarizado como um conversor de freqüência distribuído ao longo de oitocentos quilômetros.

A operação de um sistema elétrico dessa complexidade, abrangência territorial e responsabilidade é uma tarefa inerentemente sofisticada que abrange muito mais vertentes do que seria possível mencionar em um texto voltado para controle e instrumentação. Eis a razão da chamada sobre os seis mil eventos anuais que poderiam abalar a integridade do SIN e, no entanto passam despercebidos dos consumidores de energia elétrica. De fato, não passam totalmente despercebidos de todos os consumidores porque, dos três grandes segmentos de consumo – residencial, comercial e industrial –, as grandes indústrias podem ter processos de produção particularmente sensíveis a variações no seu suprimento de energia elétrica. A ação conjunta das empresas de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica e do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) no sentido de viabilizar uma convivência harmônica com as vicissitudes de um sistema elétrico de grande porte, inerentes que são ao uso de fenômenos físicos do eletromagnetismo.

Medição favorável tornou-se possível a partir do GPS, composto por 24 satélites

As linhas de transmissão aéreas (a outra opção – de alto custo – seria as linhas subterrâneas), por sua exposição à ação dos elementos, são altamente suscetíveis a curtos-circuitos temporários causados por descargas atmosféricas, queimadas, etc., precisam ser desligadas automaticamente em tais condições. Posteriormente elas voltam ao serviço por meios também automáticos – muito rápidos – ou manuais, mais lentos. O aspecto relevante neste contexto é que o sistema elétrico, o SIN no caso do Brasil, precisa ser capaz de conviver com a ausência temporária de uma linha de transmissão, que pode durar uma fração de segundo ou alguns minutos no caso de um defeito temporário, ou mesmo permanecer por longo tempo (até o reparo) no caso de curto-circuito permanente, como no caso de queda de torre. Este quadro torna-se ainda mais complexo pelo fato de se ter a cada dia uma configuração diferente no sistema elétrico, em função de desligamentos programados e de urgência para manutenção dos diversos componentes. Não é preciso estender-se muito mais para transmitir o sentimento de que os requisitos da instrumentação e do controle necessários para manter o SIN em boas condições operativas são bastante estritos. Até recentemente os operadores de sistemas elétricos têm pautado suas ações e alimentado seus dispositivos de controle a partir de medições modulares das grandezas elétricas, o que pode parecer espantoso, visto que a maior distinção entre corrente alternada e a contínua é que a primeira oferece o conceito de fase, ou seja, de permanente variação ao longo do tempo. Nos sistemas de corrente alternada as tensões e correntes têm forma de onda senoidal e seus picos podem ocorrer – e tipicamente ocorrem – em instantes distintos, sendo o tempo entre eles expresso não em frações de segundo, mas em graus elétricos que caracterizam a sua defasagem, a qual trás uma série de implicações.

Jorge Miguel Ordacgi Filho, coordenador do CE B5 do Cigré-Brasil e gerente executivo da Assessoria de Supervisão e Controle do ONS, lembra que toda a matemática disponível para a implementação de controles baseia-se em variáveis de estado, sendo o estado de um sistema elétrico fundamente dependente da questão de fase. Logo, os valores modulares medidos são injetados num sofisticado aplicativo denominado Estimador de Estado, que infere – estima – os ângulos de fase indispensáveis para a execução de ações de controle, sejam elas manuais ou automáticas. Salta aos olhos que este processo seria extremamente beneficiado se os ângulos de fase puderem ser medidos. Isto significa dizer que é preciso conhecer os fasores de corrente e tensão em cada barra do sistema. Fasores são, portanto, entidades matemáticas que exprimem tanto as magnitudes quanto as fases das correntes e tensões em cada ponto de um sistema elétrico em operação estável. No entanto, nas condições apontadas acima, o sistema elétrico não está necessariamente estável, mas precisa ser conduzido à estabilidade.

Medir estes fasores em condições de variação das respectivas grandezas elétricas não é uma tarefa fácil. Na verdade, há variações da freqüência e mais ainda: tais variações não iguais nem simultâneas ao longo do sistema elétrico. Ora, o conceito de fasor vem da assunção simplificadora de que todo o sistema elétrico tem todos os seus pontos submetidos à mesma freqüência, portanto a sua medição acurada só se viabiliza se o conceito de fasor for extrapolado para o de sincrofasor: aquele medido por instrumentos capazes de trabalhar sincronizados com precisão da ordem de 1 milionésimo de segundo, mesmo em locais tão afastados como Porto Alegre e Belém, por exemplo.

Até pouco tempo atrás, esta medição era praticamente impossível por não existirem meios eficazes para sincronizar diferentes relógios digitais, com precisão de 1 µs, em locais tão afastados, fazendo com que a única alternativa para obter estes fasores, on-line, ao longo da rede, fosse calculando-os através de programas computacionais especializados, os já mencionados Estimadores de Estado. Estes programas funcionam muito bem, mas a qualidade de sua estimação depende de uma série parâmetros que sempre têm algum erro associado. Eles poderiam se beneficiar de uma medição direta dos fasores, mesmo que apenas em algumas subestações estrategicamente selecionadas. Além disto, a taxa com que é possível obter uma nova estimação é relativamente baixa (tipicamente uma nova estimação em uma dezena ou mais de segundos) o que limita sua utilização para o acompanhamento de eventos relativamente lentos.

Raul Balbi Sollero, do gerente do Departamento de Automação de Sistemas do Cepel e Secretário do CE B5 do CIGRÉ-Brasil, explica que a medição fasorial tornou-se possível somente a partir do GPS – Global Positioning System, projeto implantado e suportado pelo governo americano e posto à disposição de todo o mundo de forma livre e gratuita. O sistema de GPS é composto por uma constelação de 24 satélites, repostos a cada 10 anos, que fornecem a receptores em terra, além da posição geográfica, um sinal extremamente preciso de tempo absoluto, gerado nos relógios atômicos de cada satélite. Com isto, os medidores espalhados pelo sistema podem usar este padrão de tempo comum para calcular não apenas as intensidades mas também as fases das correntes e tensões em cada ponto — os fasores!

Então, como se vê, a medição fasorial ou medição fasorial sincronizada como preferem aqueles que trabalham o assunto, é uma tecnologia recente que está permitindo o desenvolvimento de aplicações em que se necessitam de valores de fasores de um mesmo instante de tempo (módulo e ângulo) de vários pontos afastados geograficamente entre si num mesmo sistema elétrico. Meio árido ainda?

A nova medição é o resultado da integração de duas tecnologias: a aquisição de dados sincronizada a uma base de tempo comum - viável pela utilização do sincronismo de tempo baseado em GPS - e dos algoritmos de cálculo de fasores que se adaptam à freqüência nominal do sinal. A aquisição de dados sincronizada permite que, em um mesmo instante, diferentes equipamentos capturem um valor - usualmente uma corrente ou tensão. Os algoritmos de cálculo de fasores com adaptação à freqüência nominal do sinal permitem que através de um conjunto de valores aquisitados em instantes conhecidos e igualmente espaçados no tempo, se obtenha o módulo e o ângulo do sinal a esta freqüência nominal, sem perdas por vazamento espectral, como ocorre em algoritmos tradicionais.

Jorge Miguel explica a necessidade de se adotar a medição fasorial com a própria história da evolução da tecnologia, centrando-a nos relés de proteção, que evoluíram de eletromecânicos a estáticos (eletrônica de estado sólido) e mais recentemente a digitais numéricos, que hoje têm elevada integração funcional. Qualquer que seja a tecnologia de implementação, os relés de proteção exercem funções genericamente adaptadas às peculiaridades da aplicação – e normalmente se estabelece o pior caso como paradigma – para determinação da parametrização, que é a ação derradeira de busca de um afinamento entre o instrumento, o componente protegido e o sistema elétrico onde este se insere. O que significa que a parametrização pode ser ótima para o pior caso mas não para o trabalho normal, sem contar que o pior caso pode ser tão remoto que deve ser descartado... “A proteção de sistemas elétricos é como um cobertor curto, sua aplicação otimizada pode obrigar a reparametrizações para casos especiais”. Felizmente, os relés digitais permitem o armazenamento de vários conjuntos de parametrizações, ou grupos de ajustes, como se diz no jargão dos especialistas. E aí vem a questão: como informar o relé a respeito das condições prevalecentes no sistema elétrico? Não seria ótimo que a proteção de um componente pudesse mudar de grupo de ajustes de maneira a sintonizar-se com as mudanças que ocorressem no sistema elétrico, desempenhando-se de forma otimizada?, pergunta Jorge Miguel.

Por tudo isso, o professor Phadke, da Universidade VirginiaTech, dos EUA, percebendo o potencial dos relés digitais, pensou em medir o estado do sistema elétrico para oferecer aos relés uma informação acurada das condições prevalecentes, direcionando-os para este ou aquele grupo de ajustes. Em palavras muito simples, esta é uma boa definição do conceito de proteção adaptativa. Em suma, a imposição de adaptabilidade a um sistema moderno de proteção passa naturalmente pela medição sincrofasorial para viabilizar uma estimação de estado efetivamente acurada.

Por mais promissora que seja, a perspectiva de adaptabilidade da proteção tem despertado a cautela inerente dos especialistas, que não tencionam arriscar que a introdução da informação sobre as condições prevalecentes no sistema elétrico venha a prejudicar a confiabilidade dos relés, que se traduz em segurança (não operar quando não deve) e dependability (operar sempre que tiver que fazê-lo). “Porque, quando se envia ao relé uma estimativa de valor, pode-se estar injetando um erro no sistema de proteção. Esse cenário mata a possibilidade de se implementar proteção adaptativa enquanto não se tiver experiência suficiente com a medição sincrofasorial”, pontua o coordenador do CE B5 do Cigré-Brasil.

A proposta do ONS para se ter experiência concreta com a medição sincrofasorial tem um caráter sedimentar baseado em uma evolução segura da funcionalidade envolvida, conceito que encanta especialistas como o Dr. Alexander Apostolov da Omicron (EUA). Ressalte-se que a proposição do ONS permite que as empresas de energia elétrica usufruam de outros benefícios da medição sincrofasorial voltados diretamente para suas áreas de negócio, como é o caso da medição acurada de parâmetros de linhas de transmissão e de outros componentes do SIN. O Operador Nacional está trabalhando para que a rede de unidades de medição sincrofasorial (PMUs) que já está sendo implantada no país por iniciativas isoladas das empresas de energia elétrica seja baseada numa especificação única, cujos requisitos incluirão a homologação dos instrumentos em laboratórios credenciados, capaz de assegurar as duas funcionalidades iniciais, que agregarão significativo valor ao estado da arte, sem impor qualquer risco de adversidades para os consumidores:

1. Utilização off-line dos sincrofasores com fins de executar registro oscilográfico de fenômenos de curta duração, sob a gerência do Eng. Rui Menezes de Moraes;

2. Utilização on-line dos sincrofasores “em paralelo e com preferência” com as informações modulares de tensão e corrente injetadas no estimador de estado, cujo processo de cálculo poderá ser linearizado, numa otimização do cálculo matemático (por simplificação), oferecendo dados muito mais acurados para entrada dos aplicativos de tempo-real, sob a gerência do Eng. Héctor Volskis.

Somente quando estas funcionalidades tiverem sido utilizadas na sua plenitude e por tempo suficiente para se comprovar a absorção da tecnologia de medição sincrofasorial é que se darão passos adicionais, como o controle adaptativo e posteriormente a proteção adaptativa. O leitor atento já percebeu que esta evolução tem duas vertentes de igual importância, que não se concluirão simultaneamente: o esperado viés técnico/tecnológico e o viés de convivência harmoniosa dentro do Modelo Setorial Vigente.


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